Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
“(...) Em quanto entre nós existirem Lojas de Pedreiros livres e Bosques Carbonários, teremos o fermento da rebellião, e o fóco de todas as desventuras; os alicerces da Religião serão solapados, abalado o edificio social, serão pisados os principios da eterna Justiça (...) Cáia o machado da Lei nas raizes desta arvore pestilente, cujos frutos são a destruição, e a morte. Aprendão os Reis, e aprendhão os Povos, reproduzão-se as nossas Leis primordiaes, que souberão organizar o estado civil (...) por isso fomos tão venturosos até á Epoca do Maçonismo. Não necessitamos de outra Legislação, que não seja a nossa, ella nos salvará (...) Temos restabelecida a Monarquia e com ella a nobreza que a rodea (...) Morra o Maçonismo. (...)”
José Agostinho de Macedo, A Tripa Virada, 1823, nº1, pp. 11-12.
O padre José Agostinho de Macedo nasceu, em Beja, no ano de 1761 e faleceu, em Lisboa, no ano de 1831, sendo sacerdote, escritor e político. Foi um autor de escritos multifacetados (poesias, peças de teatro, ensaios de filosofia, escritos políticos, críticas literárias, sermões, etc) com uma veia de polemista, que se excedeu inúmeras vezes pelo seu temperamento colérico, evidenciando uma aversão às revoluções liberais.
Tornou-se pregador régio e aproveitou as suas influências sociais, designadamente de Diogo Inácio de Pina Manique, para atacar os seus inimigos, designadamente Manuel Maria du Bocage e Almeida Garrett. Com o miguelismo, no final dos anos 20 do século XIX, pretendeu ser o ideólogo do absolutismo, tendo sido nomeado por D. Miguel ‘cronista régio’, evidenciando assim um pensamento tradicionalista e contrarrevolucio-nário[1].
Com as leituras de autores franceses foi influenciado, no início da sua vida pública, pelo Iluminismo, mas aquando das invasões francesas exercitou o seu dom de polemista sobre os filósofos do movimento das Luzes, os maçons e os jacobinos. Aderiu às ideias do progresso científico e do valor da monarquia absolutista de pendor anglófila.
As suas contradições internas levaram-no a aderir à Revolução Liberal Portuguesa, tendo sido até deputado pelo círculo de Portalegre às Cortes de 1822, pelo que ficou com a reputação de “viracasacas”. Na linguagem desbragada das suas sátiras de verve contrarrevolucinária atacou os liberais, em periódicos como A Tripa Virada (1823), A Besta Esfolada (1828-1829) e o Desengano (1830-1831).
Na sua vida conventual, em 1792, e após um furto, aos seus superiores, de umas “lampreias” preparadas para o banquete comemorativo do dia de Santo Agostinho, foi expulso da Ordem Religiosa dos Agostinhos do Convento da Graça, em Lisboa, tendo-lhe sido retirado o hábito perante toda a comunidade conventual, mas conseguiu tornar-se presbítero secular a 20 de março de 1794, alcançando grande prestígio devido aos seus sermões.
Tornou-se proverbial o seu furto de livros em várias ocasiões. Nestes seus desmandos e estroinices de delinquente foi submetido a vários processos e sujeito diversas vezes ao cárcere. Tomou o nome de José Agostinho de Macedo e recusou o nome de família, “Teiguera”, como Hipólito José da Costa frisou em tom odioso. Tornou-se, pelas suas influências sociais, membro da Real Mesa Censória (1824-1829) com a função de eliminar obras ou passagens de livros hostis ao absolutismo régio.
Macedo mostrou uma grande instabilidade opinativa, decorrente da sua faceta de “viracasacas”, que se manifestava no seu caráter colérico e rebelde, marcado por um contexto social de viragens políticas e literárias, do absolutismo ao liberalismo e do classicismo arcádico ao romantismo.
Por este seu feitio iracundo, ficou conhecido, por se mamifestar frequenteente irritado e entrar constantemente em conflito, com a alcunha de ‘Padre Lagosta’. Notabilizou-se como introdutor da poesia naturalista e científica em Portugal, tornando-a rival da poesia épica clássica e evidenciando uma hostilidade ao uso da mitologia clássica e aos efeitos estilísticos dos poetas arcádicos.
Não obstante, tenha colaborado na Nova Arcádia, tomando o nome de Elmiro Tagídeo e convivendo literariamente com Bocage. Escreveu o poema épico “O Oriente”, com o qual se julgou o novo Luís Vaz de Camões de Oitocentos. Manteve uma grande amizade inicial com Manuel Maria Barbosa l’ Hedois du Bocage, mas a rivalidade poética acabou por levá-los a uma grande desavença pública numa polémica, que a História registou.
Bocage, após ter sido fustigado pelos desmandos poéticos de José Agostinho, respondeu com um clamor e um sentido airoso com o seu poema Pena de Talião. No fim da vida de Bocage, ainda José Agostinho o acompanhou, mas este atacou-o postumamente, em 1814, alguns anos após a sua morte[2], talvez pela vontade de se afirmar como o primeiro dos poetas da pátria.
Escrevia para publicações periódicas, visando chegar rapidamente ao público com uma linguagem clara, muitas vezes satírica e outras vezes com um cunho violento. O seu periódico designado A Tripa Virada foi publicado durante o golpe da Vilafrancada, relativa à noite de 5 de junho de 1823, depois dos miguelistas fazerem um golpe para tomar o poder. O golpe da Vilafrancada é o nome atribuído a este acontecimento insurrecional liderado pelo infante D. Miguel, por inspiração da rainha D. Carlota Joaquina, ocorrido em Vila Franca de Xira, a 27 de maio de 1823, para restaurar o regime político absolutista. Existe, neste periódico, uma diabolização dos liberais e uma crítica à moderação do rei D. João VI.
Este periódico evidencia a sua tendência para o extremismo contrarrevolucionário, pois nele se descrevem sessões da Maçonaria de forma caluniosa. Há, pois, uma diabolização do “Outro”, isto é, dos indivíduos aderentes ao ideário liberal[3].
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[1] António Ventura, “José Agostinho de Macedo”, in História de Portugal, vol. VIII, dir. João Medina, Amadora, Ediclube Editora,1993, pp. 196-198.
[2] António Mega Ferreira, “Os vates desavindos”, in Macedo – Uma biografia da infâmia, Porto, Sextante Editora, 2011, pp. 91-99.
[3] Ferreira, João Pedro Rosa, “ ‘Alimpem a mão à parede’ – A Tripa Virada” in Castigar a rir. O humor na imprensa periódica portuguesa, Tese de Doutoramento em História e Teoria das Ideias, especialidade Pensamento, Cultura e Política, FCSH – UNL, vol. I, 2018, pp. 109-113.
António Sérgio de Sousa Júnior (1883-1969) foi um insigne pensador e político português, que foi considerado pelo historiador Joel Serrão como o maior ensaísta português de todos os tempos. O seu ensaísmo aborda temas diversificados que se estendem da filosofia à economia, mediante um padrão humanista com um racionalismo de tendência materialista.
Arrancou com a sua prolífera atividade ensaísta no movimento cultural Renascença Portuguesa, escrevendo e polemizando na revista A Águia ao lado de figuras como Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão, Leonardo Coimbra ou Fernando Pessoa.
Este pensador recebeu uma formação intensamente militar no Colégio Militar e na Escola Naval, além de ter passado também pela Escola Politécnica, uma vez que no seu seio familiar pontuavam muitos militares[1]. Iniciou a atividade profissional como oficial da Marinha, mas cedo abandonou a carreira militar por ter jurado fidelidade ao rei D. Manuel II.
Durante os primórdios do regime republicano, concorre como assistente de filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa mas como não foi escolhido, ingressou no Instituto Jean-Jacques Rosseau, em Genebra, entre 1914 e 1916, onde estudou com a sua mulher, Luísa Epifâneo da Silva, as tendências pedagógicas da Escola Nova, impulsionadas por Éduard Claparéde, que lhe permitiu influenciar a reforma do ensino do ministro João Camoesas.
Desde o início do regime republicano colabora em diversas revistas (A Águia, Pela Grei, Seara Nova e Lusitânia), com o intuito de fazer ressurgir a Nação da letargia instalada, que a contaminava já no fim do regime da monarquia liberal. Aliás, as suas funções na direção da revista Seara Nova conduziram-no a abraçar o Ministério da Instrução Pública, o que fará com grande convicção. Depois desta experiência política, e com o singrar da ditadura militar, é levado ao exílio em França de 1926 a 1933.
Em 1945, quando termina a 2ª Guerra Mundial, abre-se a expectativa de modificação do regime Salazarista, em virtude da derrota dos autoritarismos de extrema-direita consubstanciada na rendição das potências do Eixo, e então António Sérgio integra o Movimento de Unidade Democrática, juntamente com uma plêiade de eminentes figuras públicas como Alves Redol, Norton de Matos, Bento de Jesus Caraça, Fernando Lopes Graça, Ferreira de Castro, Miguel Torga, Vitorino Magalhães Godinho, Francisco Salgado Zenha, entre muitos outros.
Como afoito oposicionista, apoiou as candidaturas presidenciais de Norton de Matos e de Humberto Delgado e, logo nessas ocasiões, foi encarcerado, como em outras vezes anteriores, pelo ímpeto das suas convicções democráticas.
António Sérgio, no decorrer do seu valoroso labor intelectual, manteve uma veia polemista, esgrimindo argumentos com múltiplas figuras públicas. O seu escorreito pensamento, que se manifestou nos livros que escreveu e na sua acção, centrou-se na reforma das mentalidades, na compreensão do sentido da História de Portugal e na ideia de uma escola autónoma centrada numa educação cívica.
Nesta medida, foi o introdutor na historiografia portuguesa da perspetiva económica e social, na abordagem de acontecimentos como a Revolução de 1383-85 ou da conquista de Ceuta de 1415, o que nos manifesta o seu paradigma racionalista de pendor materialista. A proibição pela censura salazarista de publicar uma História de Portugal, incómoda para os registos narrativos oficiais, truncou a cultura portuguesa do seu potencial criativo em termos historiográficos.
Na sua larga obra ensaística preocupou-se com o aprofundamento de uma democracia efetiva, que devia ter por base uma opinião pública esclarecida e uma elite diversificada. Na verdade, no exílio, nos anos da ditadura militar, continuou a publicar os Ensaios e a advogar o rápido regresso de Portugal à democracia.
O seu aceso espírito crítico levou-o a levantar inúmeras polémicas com autores filiados noutras correntes espirituais distantes da sua mundividência (bergsonianos, neorromânticos, integralistas, católicos ou marxistas), considerando-se um livre pensador, mas estando, em abono da verdade, condicionado pelo seu paradigma ideológico.
Com efeito, era um adepto fervoroso dos regimes democráticos, que tinham de se reformar, como lhe ensinou a experiência da 1ª república[2] e, talvez, o malogro das democracias liberais europeias pós-Grande Guerra. Estes regimes tinham de passar pela reforma das escolas de modo a permitir, que ao longo de gerações, a evolução das mentalidades coletivas e a formação de elites patriotas, manifestassem atitudes cívicas desprendidas de intereses partidários. Deste modo, considerava que as democracias só podiam amadurecer se contrariassem os dogmas mentais ou preconceitos, daí a sua absoluta predileção pelo método polemista, e procedessem de maneira experimental.
O seu hercúleo trabalho em prol da cultura manifestou-se na direção das revistas Pela Grei e Seara Nova e como diretor da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. De facto, o seu papel pedagógico foi, tal como Faria de Vasconcelos, um difusor dos métodos pedagógicos da Escola Nova, designadamente o método de Maria Montessori, centrados nas aprendizagens dos alunos.
O seu magistério intelectual permeou e influenciou, através de uma convivência frequente, uma geração mais nova de figuras, que o tratavam como mestre, como Agostinho da Silva, Barahona Fernandes, Raul Lino, Rui Grácio ou Mário Soares.
A sua formação pedagógica na Suiça irá fazê-lo criticar a escola tradicional e os métodos diretivos do ensino português, que com a escola salazarista se arrastaram por longas décadas, propondo uma escola de aprendizagens centrada no educando que visasse autonomizar os indivíduos, com vista à produtividade económica, singular e coletiva.
Das suas ideias peregrinas destacam-se o ensino como catapulta para a regeneração nacional, em ambiente de acentuada decadência desde os anos 90 do século XIX, e para a criação de uma elite humanista empenhada numa democracia socialmente progressista. Neste registo reflexivo, insere-se o seu combate por um cooperativismo que fomentasse uma economia social, tendo sido um dos grandes inspiradores das cooperativas de habitação, entre outras[3]. Existindo, assim, ainda hoje em dia a Cooperativa António Sérgio para a Economia Social como entidade pública criada em sua homenagem.
Em conclusão, António Sérgio concebia que a autenticidade da educação e da cultura só era possível em regimes democráticos, valorizando plenamente as liberdades de pensamento e de ação dos indivíduos. Desta forma, a sua linha política situa-se num socialismo proudhoniano, influenciado pelas ideias de Antero de Quental, que combateu o corporativismo salazarista e os excessos do socialismo soviético, advogando um cooperativismo saudável para uma economia de base social. Na sua profícua capacidade de síntese, encontrou, no modelo eclético de junção da democracia liberal com o socialismo cooperativista, a alternativa para os desvios desmedidos dos autoritarismos, salazarista e do socialismo soviético.
[1] António Campos Matos, Diálogo com António Sérgio, Lisboa, Editorial Presença, 217 p.
[2] Sérgio Campos Matos, “António Sérgio (1883-1969)”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol. 2, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, pp. 222-223.
[3] "(...) O cooperativismo é um movimento de ascensão moral, de reforma social, que se serve, como instrumento, das necessidades económicas dos homens. (...)", in António Sérgio, “Sobre o socialismo de Oliveira Martins", Ensaios, tomo VIII, p. 235.