Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
A disrupção secularista, apartada das filosofias helénicas e da espiritualidade cristã, tem conduzido o Ocidente a procurar reencontrar a Alma perdida, em inúmeros fenómenos milenares trazidos do Oriente, uma vez que a separação, nestas paragens geográficas, da Alma e do Corpo não foi tão abrupta. A valorização do cienticismo, desde o Positivismo do século XIX, tem levado ao descrédito da filosofia, que passou a ser menosprezada.
Esta tendência levou a própria filosofia a desvirtuar-se com a desvalorização da metafísica, em correntes que dominaram no século XX, tais como o Existencialismo e o Pragmatismo e que tem reduzido o valor dos intelectuais em favor dos tecnocratas.
A descristianização da Europa, traduzida no sul do continente pelo elevado número de católicos não praticantes, tem potenciado a laicização das sociedades ocidentais. Os europeus, na busca de superarem o seu declínio material, mergulharam na ideologia tecnocrática, que os levou a sentirem-se desumanos e a procurarem formas espirituais orientais.
As culturas orientais sempre originaram no Ocidente sentimentos de atração e de repulsa. Desde os autores da Antiguidade Clássica, como Ésquilo e Eurípedes, as culturas do Oriente apareceram como estranhas e antagónicas à cultura do Ocidente. Apenas na época helenística, com as aventuras de Alexandre “O Grande”, as culturas orientais influenciaram o Ocidente.
Com o crescente afastamento dos ocidentais das filosofias, com a descristianização e com a laicização da Europa houve, desde os finais do século XX, uma aproximação das espiritualidades orientais.
Desde os Descobrimentos marítimos ibéricos dos séculos XV e XVI, onde os portugueses foram pioneiros, houve um progressivo questionamento da mundividência eurocêntrica, com um interesse paulatino dos missionários pelas culturas chinesa, indiana e tibetana.
Desde o Iluminismo até à Revolução Francesa, a China e a Índia atraem as atenções dos europeus cultos, com o aparecimento de traduções de obras de autores orientais e sucedendo às primeiras traduções feitas pelos jesuítas portugueses. O desenvolvimento da filologia sânscrita, na charneira do século XVIII para o XIX, irá originar o sentimento da indofilia de Schlegel e da indofobia de Hegel.
O Romantismo atraiu os intelectuais pelo exotismo da cultura indiana e do Oriente, mas, já no século XX, as universidades votaram ao abandono o interesse pelas culturas orientais, com algumas pequenas exceções traduzidas em Centro de Estudo ou Institutos dedicados a temas orientalistas.
Somente fruto da globalização do fim do século XX e da referência inspiradora de figuras incontornáveis da História Contemporânea como Mahatma Gandhi e o 14º Dalai Lama, devotados à meditação religiosa, ao culto da não violência e à defesa intrangente dos Direitos Humanos e de uma forma descomprometida, com a simultânea promoção do diálogo intercultural e interreligioso, estas personalidades históricas tornaram-se modelos éticos, virando as atenções internacionais para os diferentes paradigmas civilizacionais do oriente.
Este crescente interesse pelo orientalismo levou à proliferação de movimentos como os de Hare Krishna ou o grande surto budista, zen ou tibetano, que se espraia com figuras de budas a inundarem lojas, casas particulares e jardins.
Ao mesmo tempo, tem crescido o interesse por práticas e terapias como a meditação, o ioga, o tai chi chuan, o reiki, o chi kung, as artes marciais, a acupunctura, o shiatsu, a medicina tradicional chinesa, etc. Igualmente, as tendências do vegetarianismo e do veganismo mostram a proliferação das correntes culturais orientais no Ocidente, em evidente decadência espiritual.
A meditação está hoje comprovada, nos seus benéficos efeitos no funcionamento cerebral, pela ciência ocidental, no momento em que os paradigmas ocidentais da tecnocracia, do hedonismo e do materialismo colapsaram, fazendo declinar a Civilização Ocidental e o Velho Continente.
Num Ocidente desnorteado, com a Europa suspensa do Brexit e os EUA liderados por um exuberante empresário multimilionário, a meditação gera, em muitos concidadãos, apartados das formas tradicionais da espiritualidade cristã - mística ou franciscana –, a procura de instrumentos de reequílibrio pessoal, que o paradigma produtivista não possibilita, ou a busca de uma viragem maior para a vida interior, afastando-os da feira de vaidades da mundanidade exterior. Apenas esta afirmação do homem pleno nas suas dimensões poderá levá-lo a uma verdadeira felicidade, centrada na pessoa e não descentrada nas ambições materialistas.
Este recentramento espiritual do Homem Ocidental é a alternativa aos antidepressivos, embora por intermédio do encontro cultural com técnicas e práticas espirituais do Oriente, quando a sabedoria ocidental já incorporava, desde há muitos séculos, nos exercícios espirituais de gregos e de cristãos, esta dimensão humana da Alma, que foi corrompida com o paradigma tecnocrático de reduzida visão produtivista.
O Buddha Eden da Quinta dos Louridos, no concelho do Bombarral, é um bom exemplo deste paradoxo civilizacional, quando mesmo ao lado se encontra o tradicional Santuário do Bom Jesus do Carvalhal. Isto é, o laicismo, a descristianização da sociedade portuguesa e a obsessão tecnocrática têm conduzido à desumanização da vida dos ocidentais, e dos portugueses, orientados para um produtivismo vazio, conduzindo a uma busca de uma sabedoria noutras civilizações, designadamente orientais, quando a civilização ocidental encerra em si, mesmo, esse património espiritual.
A Ética é um ramo da Filosofia que existe desde a Antiguidade Clássica, designadamente desde Aristóteles, que se ocupa dos deveres do Homem, de um código moral de conduta que tem andado arredado nas eras pragmáticas da História, nomeadamente no fim do império romano e nesta era da Globalização financeira.
Talvez, a secundarização da filosofia e do campo das humanidades esteja entre uma das principais explicações para a degenerescência Ética em que a Humanidade tem caído nos últimos tempos da História da Humanidade.
A crise de valores da Globalização é um ponto de chegada da dinâmica histórica contemporânea, como já o sustentei, e não um ponto de partida, por isso esta questão assume-se como um preocupante desafio aos Homens de boa vontade, independentemente dos credos que perfilham. Hoje em dia, os valores das nossas sociedades são descartáveis e as linhas de fronteira entre o Bem e o Mal estão em constante mutação, ao contrário dos valores tradicionais das sociedades Oitocentistas que se caraterizaram pela perenidade.
O “Capitalismo de casino”, como é bem caraterizado pela imprensa e pela bibliografia internacional, e a degradação institucional das democracias do ocidente têm contribuído, também, para a contínua crise de valores que se faz sentir desde o início do século XX.
Esta situação de anomia Ética torna premente a necessidade de revalorizar a Filosofia e a Ética como parte da solução para um combate, sem tréguas, à selva capitalista em que vivemos, pois pese embora a imensa tristeza dos filósofos do pragmatismo neoliberal não há outra maneira de sair deste impasse.
A problemática, de fundo, que reina, na atualidade, é o valor do ter versus o valor do ser, sendo que o materialismo tem ocupado um espaço “claustrofobizante” que leva a secundarizar o valor das pessoas, daí a importância de revalorizar as correntes personalistas para que as nossas sociedades possam ser mais humanizadas.
Associada a esta tendência está a vigente crença quantitativista que é, claramente, insuficiente para captar a incrível complexidade do ser humano, donde sobressaí a premente necessidade de revalorizar as perceções humanistas para fazer face às insuficiências da ciência estatística.
O sistema financeiro globalizado e as recorrentes fugas ao fisco, através dos inúmeros paraísos fiscais, constituem atualmente o cerne da problemática que obstaculiza o exercício da Ética por parte de empresas e de cidadãos que, inevitavelmente, penalizam os Estados. A reintrodução de alguma moralidade nas relações internacionais implica o combate sem tréguas aos paraísos fiscais e uma organização supranacional com fins filantrópicos que sejam a salvaguarda da proteção de relações internacionais guiadas por normas jurídicas de fundamentos éticos.
Convém atentar que o declínio da Igreja Católica nas sociedades ocidentais e a volatilidade dos valores Éticos tem reduzido os valores perenes. Deste modo, todos os valores se tornaram mais descartáveis, dando uma base de grande insegurança aos cidadãos dos nossos dias, de tal forma que a Igreja Católica definiu como estratégia, nos anos 60 do século XX no Concílio do Vaticano II, para superar esta crise de valores que se aprofunde progressivamente o agir na sociedade com uma nova missão evangelizadora mediante a ação dos leigos.
A Ciência económica e a anomia Ética resultam de uma nefasta ligação da economia às ciências exactas, que tem dado prevalência aos indicadores estatísticos em detrimento da simultânea leitura das motivações psicológicas dos povos. Esta tendência ajuda a explicar que o sistema financeiro global se constitua como verdadeiro fator de desrespeito pelos Direitos Humanos, manifestando-se este fenómeno como atentatório da Ética, pois muitos economistas e os verdadeiros decisores o tendem a menosprezar.
Do Concílio Vaticano II ao papado de Francisco I, iniciado em 2013, a Igreja Católica tem aceitado responder ao desafio da crise de valores com o exemplo dos leigos que se assumem como a porta de entrada do Catolicismo nas sociedades contemporâneas. A problemática da Ética, ou melhor da falta dela, coloca a Filosofia como uma metodologia de sabedoria essencial nas sociedades atuais.
Em conclusão, há uma imprevista urgência de compaginar a Economia e a Ética para que haja uma aproximação do real ao ideal, pois sem este sentido de equilíbrio a obsessão com a produtividade leva à crescente desumanização das sociedades, como o Concílio Vaticano II já o denotou com muita acuidade. Por outro lado, a filosofia pragmática, iniciada com William James, tem-se revelado claramente insuficiente para lidar com a problemática da Globalização. Exemplo disso, é o facto do mau exemplo dos gestores atuais que não olham a meios para ganharem mais, o que revela, claramente, que para lá de uma mentalidade empreendedora é necessário possuir um espírito moldado por uma Ética humanista.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
BIBLIOGRAFIA
Adriano Moreira, Teoria das Relações Internacionais, Coimbra, Almedina Editores, 2011.
Idem, “O futuro de Portugal”, in Nova Águia, nº 12, 2º semestre de 2013, pp. 172-175.
Aristóteles, Ética a Nicómaco, Lisboa, Quetzal Editores, 2004.
Matthieu Pellou et Sébastien Rammoux, “Les paradis fiscaux à portée de clic”, in Le Parisien Dimanche, 27 octobre 2013, nº 21502, p. 8.
Nuno Sotto Mayor Ferrão, “Relativismo Ético na História Contemporânea (1914-2010)”, in Brotéria – Cristianismo e Cultura, nº 1, volume 174, Janeiro de 2012, pp. 47-51.
Vítor Bento, Economia, Moral e Política, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2011.
As áreas da educação, da política e do futebol confrontam-se, sempre, com a análise dos processos e dos resultados da parte de leigos e de especialistas. Muitas vezes acontece que os analistas e os decisores tomam partido por uma perspectiva de análise que valoriza os resultados em detrimento dos processos devido à predominância da mentalidade pragmática[1]. Segundo este pensamento, o critério da verdade é a utilidade prática das técnicas educativas, das medidas políticas ou das tácticas de jogo.
Num mundo crescentemente tecnocrático, com parâmetros econométricos que submergem os outros critérios de avaliação, não admira a importância excessiva que é dada aos resultados educativos, políticos e futebolísticos. Nas leituras apressadas, desta Era da Globalização, sempre que os resultados são frustrantes abrem-se crises. No entanto, como é sabido, a verdadeira crise actual reside no esquecimento de valores morais que devem reger as condutas humanas.
Na verdade, tem de se encontrar um meio-termo, dificilmente quantificável, de análise que pondere os processos e os resultados, pois irei dar dois exemplos relativos à desvalorização deste princípio basilar. Nem sempre é fácil atingir em educação este meio-termo, daí que o Professor Nuno Crato[2] tenha andado a criticar, aquilo que o Professor Marçal Grilo chamou de “eduquês”, as modernas pedagogias românticas de darem demasiado destaque aos processos educativos construtivos baseados nos sujeitos das aprendizagens. Com efeito, só através de uma dose de Humanismo e de Pragmatismo se pode alcançar este meio-termo nas práticas pedagógicas, porque nos devemos recordar que a pedagogia exige arte, ciência e técnica. Se centramos a pedagogia na ciência visamos, mormente, os resultados de aprendizagem, mas se centramos a pedagogia na arte visamos, sobretudo, os processos de aprendizagem. De forma que, o grande desafio que se abre à Educação Internacional, à revelia desta Era Tecnocrática, é a de conseguir um equilíbrio entre os processos e os resultados educativos.
A hegemonia da corrente pragmática nesta era da Globalização tem favorecido o ataque especulativo aos países criativos de matriz Latina, ou de influência católica, em 2010-2011 (Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália e Bélgica). De facto, mais uma vez, é a pressão dos resultados e a depreciação da capacidade criativa destes povos e da sua rica herança cultural que está em questão. Ora o destino da moeda única Europeia (o Euro), e da própria União Europeia, não pode depender da adopção de um padrão cultural comum que garanta a concretização de resultados financeiros, porque a riqueza da Europa é, precisamente, a sua diversidade de costumes, de tradições e de culturas. Este é, pois, o desafio incontornável que se abre à Europa neste momento de crise financeira.
Um bom exemplo desta dicotomia ideológica foi o Campeonato da Europa 2004, realizado em Portugal, em que a selecção portuguesa dirigida por um brasileiro, Luiz Felipe Scolari, foi vencida na Final pela selecção grega dirigida por um alemão, Otto Rehhagel, que conquistou o título de selecção campeã Europeia de Futebol nesse ano. Enfrentaram-se dois estilos de futebol: o grego, germanizado, que adoptou um estilo pragmático à procura de resultados e o português que adoptou um estilo artístico, baseado na “posse de bola”, que buscou os processos que encantaram milhões de espectadores em todo o mundo, mas que claudicou frente ao Hércules grego possuidor de um estilo de jogo “sem arte, mas com engenho”.
O Futebol Clube de Barcelona, na Europa em 2010-2011, é o modelo de futebol síntese que conseguiu conciliar os resultados desportivos com os processos futebolísticos, que deram um grandioso espectáculo ao mundo, comandados pelo catalão Josep Guardiola i Sala. Este edificante exemplo deve servir de inspiração, na Educação e na Política, para que se pense, concomitantemente, nos processos e nos resultados, no sentido de se superarem estes estrangulamentos da crise destes sectores da vida colectiva global, que mais não são do que um reflexo da crise de valores que atravessa a História da Humanidade no início do século XXI. Em suma, o Futebol Clube de Barcelona por se ter alavancado nos três pilares interdependentes (a arte, a ciência e a técnica) proporcionou ao mundo um futebol magistral que obteve resultados estratosféricos com processos artísticos moldados na consabida criatividade catalã.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] O pragmatismo como corrente filosófica nasceu nos EUA com o pensamento do filósofo William James (1842-1910).