Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Mário Vargas Llosa, escritor, jornalista, ensaísta, professor universitário e político, nasceu em Arequipa, no Peru, em 1936. Foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura de 2010 na tradicional atribuição da Academia Sueca de Ciências, a 7 de Outubro, com o fundamento de ter desmascarado, nas suas descrições literárias, as opressivas estruturas das ditaduras, os meandros do poder político e de ter colocado como tema central dos seus livros a liberdade como correlativo indispensável da felicidade. A sua escrita de um apurado recorte literário, de matriz clássica, já merecia este galardão.
Da sua formação inicial destaca-se a sua frequência no Colégio Militar Leôncio Prado, na povoação de La Perla, que terá, certamente, forjado o seu temperamento fortemente disciplinado como o reconheceu, na televisão portuguesa, em entrevista à jornalista Judite de Sousa. Na capital do Peru, Lima, nos anos 50 estudou Letras e Direito na Universidade de São Marcos. Veio, mais tarde, a doutorar-se em Filosofia e em Letras na Universidade Complutense de Madrid com uma tese sobre Gabriel Garcia Marquez. No entanto, na sua vida literária manteve sempre uma forte animosidade com este escritor, tal como em Portugal António Lobo Antunes manteve com José Saramago.
Lembro-me de ter lido, através de excertos publicados no “Diário de Notícias”, as denúncias que Mário Vargas Llosa fez a propósito da invasão do Iraque em 2003 em que muito do Património Histórico da Mesopotâmia foi saqueado e roubado da Biblioteca de Bagdad.
Deixando-se arrastar pelas suas férreas convicções e pela força da sua consciência assumiu-se como um político de Direita, de laivos conservadores, que se candidatou à Presidência da República do Peru em 1990. Fê-lo, com o apoio partidário da FREDEMO, subscrevendo ideias liberais de luta contra a estatização da economia Peruana, no entanto a sua peleja política saldou-se por uma derrota eleitoral que deu a vitória a Alberto Fujimori. Devido ao ambiente adverso que sentiu no seu país, após esta derrota, adquiriu a nacionalidade espanhola, tendo hoje uma dupla nacionalidade.
A marca distintiva da sua valorosa obra literária foi, sempre, o seu combate pela liberdade individual que procedeu de alguma influência filosófica recebida do Existencialismo de Jean-Paul Sartre, apesar das evidentes diferenças de quadrante político-ideológico. Assim, a sua escrita caracteriza-se por um estilo fluente, que nos absorve, de uma matriz classicista expressa numa linguagem cuidada no respeito pelas regras gramaticais e pelo enriquecimento lexical dos leitores.
Por outro lado, quanto aos conteúdos das suas ficções abordou com grande mestria os temas políticos e eróticos. Sempre considerei que era um dos escritores que melhor escrevia por compaginar o rigor dos cânones gramaticais ao tratamento de temas que apelavam à imaginação ou ao empenhamento político nas sociedades Latino-Americanas. Já tinha vincado, num dos “posts” deste blogue, o valor que lhe atribuía em “A Literatura e a blogosfera”, pois a sua prosa escorreita e bem firmada nos valores do Património Cultural da Humanidade fazem-me lembrar o vigor criativo de Marguerite Yourcenar.
Da sua prolífera obra literária destaco como livros de ficção mais emblemáticos: A Casa Verde (1966), Conversa na Catedral (1969), O falador (1987), Quem matou Palomino Molero ? (1986), Elogio da Madrasta (1988), Os cadernos de Dom Rigoberto (1997), O Paraíso na Outra Esquina (2003) e Travessuras da Menina Má (2006).
No entanto, o livro que me abriu ao inesgotável universo Llosiano foi o seu fantástico romance “O falador” na medida em que se confrontam duas mundividências, a racional de um amigo de um etnólogo e a de um contador de histórias indígena, a partir de duas visões cósmicas de uma mesma tribo amazónica. Um livro verdadeiramente encantatório para quem pretenda começar a conhecer a literatura deste consagradíssimo escritor. Outro livro que recomendo, vivamente, é “O Paraíso na Outra Esquina” que nos fala da procura da felicidade, contando-nos um pouco a história de vida de Paul Gauguin e do seu contacto com Vicent Van Gogh. Deixo-vos aqui um empolgante testemunho, do próprio Mário Vargas Llosa, do que deve ser o papel crucial da Literatura na vida da Humanidade.
“(…) Têm razão os cépticos quando afirmam que a história da humanidade é uma interminável sucessão de ocasiões perdidas. Felizmente, graças à inesgotável generosidade da imaginação, cá vamos suprindo as faltas, preenchendo as lacunas o melhor que se pode (…)”
José Saramago, A viagem do elefante, Lisboa, Ed. Caminho, 2008, p. 223
José Saramago destacou-se no panorama literário português na segunda metade do século XX desembocando o seu meritório labor na escrita com a atribuição do Prémio Camões em 1995 e do Prémio Nobel da Literatura em 1998.
Na Literatura Portuguesa contemporânea, de transição do século XX para o XXI, sobressaem como autores de excepcional qualidade, em textos de prosa, para além de José Saramago, Miguel Torga, António Lobo Antunes, Agustina Bessa-Luís, Urbano Tavares Rodrigues, Teolinda Gersão e Miguel Sousa Tavares.
José Saramago teve uma prolífera obra literária que se estendeu de 1947 a 2009 com 42 livros publicados pela Editorial Caminho. Começou com uma linguagem neo-realista no seu primeiro romance, mas a sua criatividade irá levá-lo a uma linguagem Barroca na acepção do escritor Miguel Real (afirmações proferidas na TSF). Nos seus livros mais recentes a sua linguagem rompe as regras básicas da Gramática com uma linguagem próxima da verbalização coloquial entremeada de expressões e provérbios populares.
O seu livro mais exemplar foi o “Memorial do Convento” que se tornou um livro de leitura obrigatória no ensino secundário e os seus livros mais polémicos pelo tom de provocante ateísmo foram “O Evangelho segundo Jesus Cristo” e “Caim”. A leitura que fiz da sua obra literária incidiu nos seus livros mais recentes: “O Homem duplicado”, 2002; “Ensaio sobre a lucidez”, 2004; e “A viagem do Elefante”, 2008[1]. Os dois primeiros livros abordaram duas temáticas fracturantes das nossas sociedades contemporâneas: a clonagem humana e a votação em branco como forma de protesto colectivo face ao desfasamento entre os políticos e os eleitores.
O livro “A viagem do elefante” é um texto fascinante, numa incursão pelo romance histórico, que parte de um facto verídico da nossa História Diplomática: a oferta de um elefante do rei D. João III ao arquiduque Maximiliano da Áustria em meados do século XVI. O enredo do texto trata com muita imaginação o percurso do elefante entre Lisboa e Viena, ao mesmo tempo que o narrador vai fazendo algumas ilações sobre a Humanidade e os seus descaminhos. Toda esta textura nos é transmitida com uma sagacidade de um escritor de uma genialidade madura que aborda a sua história com ironia, imaginação e uma suprema lucidez na análise da condição humana. É, pois, uma bem conseguida obra-prima, que Saramago nos legou neste seu livro de sublime leitura que recomendo vivamente a quem não o conheça!
Os seus textos fluentes com poucos parágrafos obrigam o leitor a deixar-se levar na maré de palavras calorosas que nos deixam encantados e absorvidos com o fio da meada. A sua linguagem Barroca, acessível ao grande público, pejada de tiradas populares torna a sua comunicação atraente pela espectacularidade dos sons inebriantes que saem da palavra muda que emerge do livro, porque estes seus livros são para serem saboreados em voz alta.
Deste género de linguagem literária próxima do estilo coloquial há dois autores portugueses que se aproximam mais: António Lobo Antunes e Teolinda Gersão, não obstante as suas especificidades literárias. Esta característica inovadora comum a José Saramago aproximou o leitor do escritor naquilo que era o objectivo central da filosofia da linguagem de Ludwig Wittgenstein. Este progresso da literatura significou a conquista de novos leitores que possibilitou às suas tiragens em Portugal chegarem a várias dezenas de milhares.
José Saramago foi, com efeito, um “self-made man” que exercendo múltiplas profissões caminhou com muito mérito para concretizar os seus sonhos de criação literária. Criou, no fim dos seus dias, a Fundação José Saramago com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa para impulsionar a cultura e os jovens criadores literários e foi um cidadão politicamente interventivo que assumiu com clareza os seus ideais marxistas em busca de um mundo melhor.
Presto aqui a minha pequena homenagem a este escritor de dimensão universalista que os portugueses guardarão no panteão das nossas emoções! Vale a pena ler o testemunho que dele nos concedeu o Professor José Medeiros Ferreira na altura da atribuição do Prémio Nobel a Saramago intitulado “Saramago: saber renascer” reproduzido no blogue Córtex Frontal.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] José Saramago, O Homem duplicado, Lisboa, Editorial Caminho, 2002; Idem, Ensaio sobre a lucidez, Lisboa, Editorial Caminho, 2004; Idem, A viagem do elefante, Lisboa, Editorial Caminho, 2008.