Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
O patriotismo é, por definição, o sentimento de amor à pátria mediante a defesa do país, como Portugal na 1ª guerra mundial, ou o enaltecimento dos valores históricos, culturais, linguísticos e simbólicos de um povo.
Em Portugal, rapidamente se oscila quase de um complexo de inferioridade a um complexo de superioridade, daí que a ideia de decadência da nação tenha perpassado na mentalidade portuguesa quase todo o século XIX, ao ponto de aparecer um golpe de estado conhecido como Regeneração (1851).
Se nos devemos congratular com as vitórias e as conquistas desportistas (como foi o caso dos futebolistas no Euro 2016 ou os desportistas medalhados do atletismo), o importante é o que permanece no conjunto de virtudes de um povo. Portugal, historicamente e por influência da matriz católica, tem sido um país pacífico e bastante solidário com os outros povos em dificuldades.
Um dos motivos que mais nos deve orgulhar é a utopia da fraternidade universal sustentada pelo sapateiro Bandarra, pelo prosador Padre António Vieira e pelo poeta Fernando Pessoa, porque a construção de um império de matriz espiritual, que permita a sã convivência da multitude de povos e de civilizações, deve ser um sonho que nos deve fazer orgulhar, por sermos um povo com uma “costela” de poeta, como aliás bem se evidencia no fado que soubemos erguer a Património Comum da Humanidade.
O património histórico e linguístico português, consubstanciado no espaço lusófono, é o caminho para a concretização desta utopia, que tanta falta faz nos dias que correm.
Sem dúvida que o século XIX foi um século de grandes contradições em Portugal, com grandes actos patrióticos e desconfianças face ao valor da nação, como foram os casos de Antero de Quental, no seu texto sobre as causas da decadência dos povos peninsulares, ou o emblemático e amesquinhado Zé-Povinho de Rafael Bordalo Pinheiro. A sátira bordalista contribuiu para o reforço do complexo de inferioridade lusitano, mas o que parece certo é que desde Viriato os Lusitanos foram uns bravos valentões em resiliência perante o poderio militar romano.
Por todas estas razões (e mais algumas que tenhamos esquecido de elencar) há, neste momento coletivo de crise do paradigma globalizante, um retorno claro aos sentimentos patrióticos, desde que não se caia numa atitude xenófoba. As competições desportivas despertam os sentimentos patrióticos, em particular com comoções coletivas quando as populações ouvem e cantam os seus hinos nacionais ou observam a subida das suas bandeiras nas hastes dos recintos desportivos.
Há ainda um motivo acrescido para que, e na Europa em especial, venha à tona o sentimento patriótico, uma vez que a conjuntura histórica do início do século XXI acrescida das crises das dívidas soberanas da Grécia, da Irlanda e de Portugal e o ‘Brexit’ da Inglaterra têm criado desconfiança na moeda comum – Euro - e feito esboroar o espírito europeísta, com receios generalizados de novos referendos nacionais, por ausência de lideranças europeias carismáticas e de uma sólida estratégia comum.
Como a “virtude está no meio”, assim o diz o ditado popular, ressurgem “patriotismos regionalistas de espaços alargados”, de que é um excelente exemplo o espaço lusófono que une os povos falantes de língua portuguesa, que se sentem irmanados por um espírito e uma identidade históricas comuns.
Perante a crise do fenómeno globalizante no aspecto económico-financeiro de completa desregulação, configurando um verdadeiro caos ético mundial que afecta as outras esferas coletivas, faz todo o sentido este ressurgir dos fenómenos patrióticos com uma mentalidade aberta ao diálogo pacífico e cooperante nas Nações Unidas, numa necessária reformulação desta instituição supranacional, que tenha em conta as recomendações do Papa Francisco para a preservação desta nossa casa comum, que é a terra. Se estes patriotismos alargados fazem sentido, os patriotismos estritos como o Escocês ou o Catalão são fenómenos perigosos de desaglutinação da Humanidade.
Por fim, é sintomático que, neste contexto histórico, Marcelo Rebelo de Sousa, pessoa culta, sensível e humanista, tenha dado um exemplo singular de patriota, por formação e por convicção, desde o seu discurso inaugural de posse do cargo de Presidente da República Portuguesa, bastante mobilizador das forças unidas dos portugueses, até aos seus atos insólitos que muito o têm aproximado da população portuguesa.
O patriotismo é, pois, um sentimento que está na moda, mas que, na verdade, nunca deve estar afastado das nossas tendências, uma vez que parte da nossa genuína identidade coletiva como povo e como parcela da Humanidade.
Os Zits de Jerry Scott e Jim Borgman já foram publicados em mais de 1500 jornais internacionais e estão agora disponíveis em livros traduzidos em várias línguas. O humor subtil e, tantas vezes, corrosivo dos autores retrata bem o conflito de gerações entre pais, que viveram numa outra conjuntura histórica, e filhos que vivem na conjuntura da Globalização das novas tecnologias e do consumo desenfreado. A forma sarcástica como o protagonista, Jeremy, é representado faz-nos, muitas vezes, compreender com boa disposição as angústias e as indecisões de muitos adolescentes e os constantes conflitos com os seus pais. A falta de comunicação é-nos apresentada como um dos problemas que subjaz a estas situações de corrente conflitualidade parental.
A caricatura, em Portugal, teve um tão elevado representante em Rafael Bordalo Pinheiro, na transição do século XIX para o XX, que nos deu as bases de inteligibilização destas leituras sardónicas. É caso para dizer que uma boa imagem vale mais que mil palavras… O desenho de qualidade pode, com poucas imagens, fazer-nos perceber melhor uma comunicação gestual do que muitas vezes uma descrição verbal, pormenorizada, que pode fazer-nos perder o núcleo das questões essenciais.
Além disso, as imagens metafóricas passam-nos uma mensagem de forma rápida, fazendo-nos sorrir ou rir com situações já nossas conhecidas. Nas várias pranchas cómicas dos Zits tratam-se temas, do quotidiano, dignos de reflexão: por um lado, os adolescentes são vistos como muito dependentes das novas tecnologias e amigos da descontracção e da preguiça (atente-se na forma como Jeremy se senta no sofá ou no modo frenético como se levanta depois de ter estado na preguiça mais tempo), por outro lado, os pais são perspectivados, também, pelo lado dos adolescentes como antiquados, formais e demasiado rotineiros, sendo esta a base para a compreensão de muitas faltas de entendimento entre as gerações de pais e filhos. Vale, pois, bem a pena ler estes livros!
“Fernando Maria de Almeida Pedroso (1818-1901) – breve retrato de um aristocrata das ideias” (14)[1]
Fernando Maria de Almeida Pedroso, nascido na vila de Mangualde no ano de 1818, filho de Joaquim Maria de Almeida Pedroso e de Inês Adelaide do Amaral assumiu-se como um destacado intelectual, de cepa nacionalista, africanista, católica e legitimista, durante o regime da Monarquia Constitucional Portuguesa do fim do século XIX. Afirmou-se na sociedade portuguesa como jornalista e ideólogo político, sobretudo nos anos 70, 80 e 90[2], tendo contactado e polemizado com numerosos membros das elites político-culturais e sido reconhecido por muitos como “primus inter pares”.
Licenciou-se em estudos jurídicos, terminando o curso na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em 1840, tendo exercido advocacia nos primeiros anos no escritório do Dr. Emaus em Lisboa e sido conselheiro jurídico[3] dos Marqueses de Abrantes, da família Lencastre e Távora, ao assumir designadamente a tutoria do menor D. João de Lencastre e Távora.
Nos meados dos anos 70, no contexto histórico da exploração científica em África, Fernando Pedroso foi um dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa, conjuntamente, com Luciano Baptista Cordeiro de Sousa[4], que a concebeu como instituição de estudo, e com outras personalidades da elite intelectual portuguesa. Com efeito, antes da estratégica decisão internacional da Conferência de Berlim de 1884/85[5], deliberativa do novo critério jurídico das soberanias nacionais europeias em África, evidenciou um pensamento visionário ao perceber e proclamar nas instâncias científicas, culturais e políticas nacionais o interesse em promover a acção das Missões Católicas nas lusitanas colónias africanas.
Este caminho de reflexão doutrinária que trilhou fê-lo ser nomeado pelo governo para vogal da Junta Geral das Missões e nomeado, conjuntamente com o bispo D. José Maria da Silva Ferrão de Carvalho Martens, membro da Comissão de Estudo do Problema Missionário em África e, posteriormente, catapultou-o para a prestigiante presidência da Sociedade de Geografia de Lisboa.
Na sua acção política, que não se encontra tão bem documentada[6], detectámos na nossa pesquisa que pertenceu ao Movimento Centro Católico que tinha por objectivo eleger deputados de matriz católica e que o propôs como candidato. Em verdade, encontramo-lo nos anais de História, várias vezes, mencionado como candidato a deputado nos anos 80 e efectivamente como deputado eleito por Lisboa em 1890[7], tendo por fim alcançado o estatuto de Par do Reino das Cortes portuguesas em 1900.
Convém sublinhar que foi um reputado jornalista na segunda metade do século XIX nos periódicos Nação, Católico, Pátria, Direito e Jornal da Noite e foi ainda correspondente do jornal Parisiense L’Ami de la Réligion onde teceu considerações sobre a realidade religiosa portuguesa. A sua competência profissional foi reconhecida, abraçando a direcção do jornal Nação em que sustentou teses eivadas dum conservadorismo católico e de legitimação da monarquia absoluta. Nesta sua actividade de criação de artigos de opinião, assumindo-se como um autêntico “opinion maker”, manteve acesas polémicas com eminentes intelectuais portugueses como António Augusto Teixeira de Vasconcelos, José Duarte Ramalho Ortigão[8], Raimundo Bulhão Pato, José da Silva Mendes Leal, etc.
Da sua tendência ideológica conservadora de laivos religiosos, corroborada pelo facto de ter pertencido no nosso país à Comissão Promotora do Dinheiro de S. Pedro destinada a auxiliar a crise financeira dos Estados pontifícios em resultado da instabilidade política em Itália no início da década de 1860, derivou a dinâmica da Igreja Católica portuguesa de propor a sua beatificação à Cúria Pontifícia ao ponto do sarcástico Rafael Bordalo Pinheiro afirmar na sua cáustica prosa em tom jocoso, tão típico da mentalidade anticlerical da altura, o seguinte do conselheiro Fernando Maria de Almeida Pedroso: “(…) O senhor Fernando Pedroso depois de bem espremido deu água benta, que até cheirava a santidade. (…)”[9]
Assim, o protagonismo público e intelectual de Fernando Maria de Almeida Pedroso, na sociedade portuguesa do fim do século XIX, é inegável, tendo chegado também a presidir à Associação Imprensa de Lisboa onde teve oportunidade de contactar com outras eminentes personalidades intelectuais e políticas da História Oitocentista portuguesa, como se pode aliás depreender consultando o seu Boletim, o da Sociedade de Geografia de Lisboa e os inúmeros periódicos em que colaborou.
Em conclusão, o papel relevante que Fernando Pedroso desempenhou como membro da Junta Geral das Missões, de que foi secretário, como jornalista, como estudioso da realidade ultramarina e como político em prol das Missões Católicas[10] na África portuguesa, e em particular na colónia de Angola, no adverso quadro histórico do anticlericalismo dominante, como veículos da acção civilizadora do país proporcionou-lhe o reconhecimento público da sociedade do seu tempo. Na realidade, afigura-se-nos que terá recebido da Casa Real Portuguesa em função dos seus meritórios préstimos à causa pública o título de conselheiro[11], uma condecoração pontifícia por ter ajudado a acudir às dificuldades económicas da Santa Sé no supra mencionado episódio[12] e, postumamente, o seu nome foi honrosamente inscrito pela edilidade lisboeta na toponímia urbanística da cidade[13].
Em suma, Fernando Maria de Almeida Pedroso foi um autêntico aristocrata das ideias políticas, que defendeu a causa miguelista e o ideal africanista que assumiu particular veemência nas teses que apresentou ao I Congresso Colonial Nacional realizado na Sociedade de Geografia de Lisboa em 1901[14], cujos méritos foram reconhecidos à época e que bem merecem ser conhecidos do grande público dos nossos dias e ser estudados pela moderna historiografia portuguesa.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Reconheço, postumamente, o contributo que devo ao meu Tio Joaquim Filipe Telles Moniz Côrte-Real, mestre autodidacta, pelas pistas informativas e por algum suporte documental fornecidos; que foram enriquecimentos inestimáveis para as minhas pesquisas e para a realização desta crónica.
[2] Vide “Fernando Maria de Almeida Pedroso”, in Álbum Legitimista, nº 29, Lisboa, 1889, pp. 1-4.
[3] Fernando Maria de Almeida Pedroso, Exposição, que ao conselho de família do menor D. João de Lencastre e Távora faz o tutor d’ este, Fernando Maria de Almeida Pedroso, s.l., s.e., séc. XIX.
[4] Adriano Moreira, “Os transmontanos no mundo: Luciano Cordeiro – Sarmento Rodrigues”, in Comentários, Lisboa, Edição Academia Internacional da Cultura Portuguesa, 1989, pp. 91-106.
[5] Maria Ângela Branco, “Conferência de Berlim”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol. 1, Lisboa, Selecções Reader’s Digest, 1989, p. 69.
[6] A vida política e intelectual de Fernando Maria de Almeida Pedroso já merece pelos dados registados uma monografia universitária, visto que esta crónica é um texto essencialmente de divulgação histórica.
[7] Resta saber se o partido político pelo qual alinhou foi sempre o Legitimista ou se aderiu a algum partido minoritário de duração efémera.
[8] Vide “Fernando Maria de Almeida Pedroso”, in Álbum Legitimista, nº 29, Lisboa, 1889, pp. 2.
[9]O António Maria, 4 de Setembro de 1895, p. 1. Há, efectivamente, uma versão corrente na opinião pública que sustenta a ideia de que teria sido proposta a beatificação de Fernando Maria de Almeida Pedroso, mas faltam-nos provas documentais que nos elucidem melhor sobre esta questão e daí a pertinência dum estudo sobre esta importante figura histórica.
[10] Aliás, irá ser o Ministro das Colónias, Comandante João Belo que, no fim da década de 1920, dará o vigor institucional às Missões Católicas ultramarinas, mas na verdade foi Fernando Pedroso que algumas décadas antes as fundamentou como instrumento de civilização das populações indígenas africanas. Cf. João Carlos Paulo, “Missões Católicas no Ultramar”, in Dicionário de História do Estado Novo, vol. II, Lisboa, Edições Bertrand, 1996, pp. 602-604.
[11] Esta hipótese historiográfica que lanço carece, todavia, de comprovação documental.
[12] Vide “Fernando Maria de Almeida Pedroso”, in Álbum Legitimista, nº 29, Lisboa, 1889, pp. 2.
[13] Nas proximidades da Rua do Arco do Cego, em Lisboa, situa-se a Rua Fernando Pedroso que homenageia este ilustre intelectual português do século XIX.
[14] Foi numa fria noite de Inverno, corria o ano de 1901 que, ao sair de uma sessão do I Congresso Colonial Nacional na Sociedade de Geografia de Lisboa, Fernando Maria de Almeida Pedroso apanhou um resfriado que o fez falecer já octogenário, gerando-se por isso uma emocionada consternação geral após as suas faiscantes intervenções públicas assumidas nesta reunião de africanistas.