O PROJETO DE AUTONOMIA E FLEXIBILIDADE CURRICULAR EM PORTUGAL – NOVIDADES NO SISTEMA DE ENSINO NO ANO LETIVO 2017/2018
Existe uma forte necessidade de um pacto de regime na educação em Portugal, desde o início do regime democrático pós-25 de abril, pois as constantes mudanças no sistema de ensino não permitem a estabilidade pedagógica, docente e curricular, num sistema crucial para o desenvolvimento do povo português. Costumo dizer que as políticas educativas estão em constante mutação, seja de tendência de direita ou de esquerda, mas as práticas pedagógicas permanecem.
Neste inovador projeto do Ministério de Tiago Brandão Rodrigues, criam-se novas metodologias de aulas temáticas para promover a interdisciplinariedade, mas poderá ser um pouco mais difícil a sua operacionalização. Na matriz curricular elaborada, criam-se duas novas disciplinas: a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento e a de Tecnologias da Comunicação e Informação e redistribuem-se os tempos das diversas disciplinas. Deste modo, a direita esvazia o valor da Cidadania e a esquerda reintegra-o, no pressuposto da inclusão social.
Como o executivo socialista, sob pressão do primeiro-ministro António Costa, não optou por uma reforma curricular profunda, propondo antes que as disciplinas se regulassem por “matérias essenciais”, o que constitue uma reforma curricular “encapotada”, mas torna os programas disciplinares mais incoerentes nas estruturas curriculares vigentes. Este projeto, em ano de concurso nacional interno de docentes, coloca dificuldades adicionais à sua implementação.
Este projeto de flexibilidade e autonomia curricular inspira-se no modelo finlandês de organização das aulas em volta de temas multidisciplinares, que resultou de uma maturação reflexiva prévia e não de um impulso reformista momentâneo. Contudo, em Portugal, o Ministério da Educação, como não quer impor um modelo fechado e abre a porta a um projeto-piloto em algumas escolas, delega nestas a responsabilidade das suas concretizações. Esta modalidade descentralizada, de implementação de aulas temáticas, vai ao arrepio da tendência centralista do sistema de ensino português.
Os princípios educativos da transversalidade das competências e da utilização de um conhecimento muldisciplinar são universalmente válidos, mas a questão está na sua operacionalização, a partir de um dado sistema educativo concreto, neste caso do português. Não obstante, existem inconsistências no discurso de fundamentação da filosofia educativa, porque o executivo assegura que se pretende uma flexibilização pedagógica e que a carga horária não é revista. Porém, dado que as manchas horárias serão reajustadas pelas escolas até 25%, tal poderá não acontecer em várias situações. No nosso país, as aulas temáticas irão constituir uma responsabilidade dos professores.
A implementação será desenvolvida dentro de um projeto-piloto, aplicado em mais de 150 agrupamentos de escolas, com vista à experimentação das novas metodologias pedagógicas e dos esquemas de organização curricular das diferentes escolas.
De facto, os estabelecimentos de ensino públicos e privados aderentes ao projeto-piloto passam a ter manchas curriculares heterógeneas, em função do princípio da autonomia, o que poderá criar situações de desigualdade social, mas também potenciar novos processos de aprendizagem. Pretende-se, assim, que os alunos saibam relacionar os conhecimentos das diversas disciplinas com o recurso a aulas temáticas.
A versatilidade curricular traduz-se no facto dos alunos do ensino secundário terem oportunidade de frequentarem outras disciplinas, além das pertencentes ao seu curso. Todavia, esta reforma educativa é parcelar, pois à flexibilização pedagógica não corresponde uma revisão integral curricular e programática.
Para contornar este problema, esta flexibilização pedagógica indica a necessidade da definição de “matérias essenciais”, o que configura uma revisão informal programática pela impossibilidade legal de realizá-la nos prazos estipulados pelos normativos, mas esta escolha tem, concomitantemente, a vantagem de evitar novas alterações dos manuais escolares.
O sucesso deste projeto-piloto irá depender, mormente, da capacidade dos professores trabalharem em articulação colaborativa num método transversal nas aulas temáticas. Não existem diretrizes rígidas para a sua concretização, sendo os professores deixados, pela tutela, praticamente em autogestão.
O princípio de investir nas competências transversais, através da iniciativa autonómica das escolas, é teoricamente positivo. Assim, o reajustamento do sistema de ensino português passou por evitar uma reforma curricular formal, dando esse encargo às escolas que aderiram ao projeto-piloto e apenas se definiram “matérias essenciais” para evitar tocar a fundo nos programas das disciplinas, o que permite ultrapassar os constrangimentos temporais indicados pelos programas oficiais.
Em suma, o sucesso deste projeto de autonomia e flexibilidade curricular irá depender da operacionalização dos professores, apesar dos princípios da multidisciplinariedade e das aulas temáticas sejam teoricamente muito interessantes pela abordagem de assuntos de atualidade de uma forma transversal permitindo aos alunos uma visão global. A Finlândia no seu modelo, que irá inspirar esta tentativa de inovação do sistema de ensino português, procurou ainda valorizar e dignificar mais a carreira docente, pelo que esperamos que também isto suceda em Portugal.
Nuno Sotto Mayor Ferrão