Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
A 28 de março de 2018 irá ser apresentado o novo número da revista Nova Águia (nº 21, 1º semestre de 2018) na Sociedade de Geografia de Lisboa às 16 horas e 30 minutos, depois de ser atribuído o Prémio Personalidade Lusofóna 2017 pelo Movimento Internacional Lusófono a Manuel Araújo, com a presença do Diretor da revista, Renato Epifânio.
Este novo número da revista não se centra em nenhum núcleo temático, mas nele se evocam figuras incontornáveis e contemporâneas da cultura portuguesa como sejam: o escultor José Rodrigues, recentemente falecido; o investigador e político Fidelino de Figueiredo no cinquentenário da sua morte; o jornalista e o escritor Raul Brandão e o poeta António Nobre e ainda surgem na publicação textos inéditos da escritora e ensaísta Dalila Pereira da Costa no centenário do seu nascimento, do escritor e filósofo Agostinho da Silva e do filósofo e professor José Enes.
Os colaboradores da revista representam diferentes espaços geográficos, jazendo jus à partilha cultural no espaço lusófono, mas também se celebram em todos os números inúmeras figuras da cultura portuguesa e lusófona, designadamente porque a língua portuguesa é o elemento vital desta identidade afetiva e cultural comum.
A revista Nova Águia nasceu em 2008, pelo que conta dez anos de uma vida dinâmica, tendo aparecido no seio da crise profunda que abalou a Europa e Portugal no fim da primeira década do século XXI, tendo uma identidade lusófona ligada à corrente da filosofia portuguesa e à figura tutelar de Agostinho da Silva, pelo que tem uma difusão de leitores no espaço geográfico da lusofonia.
Na Nova Águia colaboram habitualmente também dezenas de ensaístas em todos os números, entre os quais saliento como mestres Adriano Moreira, António Braz Teixeira, João Bigotte Chorão, Miguel Real, Pinharanda Gomes, Samuel Dimas e Renato Epifânio, que atualmente a dirige em conjunto com outros colaboradores. Esta revista tem uma periodicidade semestral, contando habitualmente com cerca de 30 a 40 artigos, com um conjunto de recensões críticas e com inúmeros poemas.
A sua fonte de inspiração é a revista A Águia, uma importante revista cultural do início do século XX (1910-1932), em Portugal, que congregou muitas figuras de destaque das Humanidades, das Artes e das Ciências com distintas mundividências que veicularam visões plurais.
Sobressaíram na História Cultural Portuguesa, no conjunto dos inúmeros colaboradores desta revista, intelectuais como Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão, Raul Proença, Hernâni Cidade, Afonso Lopes Vieira, Fernando Pessoa, António Sérgio, etc. A revista nos seus 22 anos de vida comportou temas literários, artísticos, filosóficos e de crítica cívica, que tanto inspiram os fundadores e colaboradores da Nova Águia.
A revista e o Movimento Internacional Lusófono estão vinculados a múltiplos eventos cívicos e culturais, sendo promotores ou co-promotores de iniciativas como os Congressos da Cidadania Lusófona, a atribuição do Prémio Personalidade Lusófona atribuído pelo MIL nos últimos anos e a múltiplos Colóquios de diversas instituições culturais e académicas, que surgem divulgados nas respectivas páginas da internet.
Este novo número da Nova Águia (9 - correspondente ao primeiro semestre de 2012) trata de evocar o Centenário da Renascença Portuguesa, importante movimento cultural e cívico, que congregou muitos dos mais importantes intelectuais portugueses do início do século XX. No entanto, hoje, como no início do século passado, Portugal passa por uma profunda crise e esse movimento foi uma resposta generosa aos desafios que, na altura, se colocaram. Quiseram os prezados directores desta revista, em que muito me orgulho de colaborar, tentar antever como será Portugal em 2112, no sentido de se abrirem horizontes de Esperança que permitam ultrapassar os bloqueios que fizeram as angústias patrióticas de 1912 tão próximas das actuais.
Este número, como vem sendo timbre da Nova Águia, respeita a tendência espiritual que desafia com inquietação o vazio tecnocrático que tem vindo a moldar a mentalidade das presentes sociedades europeias, mas alicerça-se na bela e pujante herança das referências intelectuais que autores portugueses, lusófonos e galegos nos legaram. Daí a multiplicidade de autores que aqui justamente são tratados com perspectivas muito amplas e diversificadas.
Neste final de Fevereiro a revista vai ser lançada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto no dia 22 às 18 horas e 30 minutos e na Sociedade de Geografia de Lisboa no dia 24 às 17 horas. Este segundo lançamento está integrado no debate sobre a “Importância da Lusofonia”organizado conjuntamente pela Plataforma Ativa da Sociedade Civil e pelo Movimento Internacional Lusófono e na cerimónia de entrega do Prémio Personalidade Lusófona 2011 a atribuir ao Professor Doutor Adriano Moreira por iniciativa do MIL.
Teremos grande prazer de ler o texto, neste novo número da revista, deste pensador português que meditou sobre a Universidade, após o seu longo e brilhante percurso académico e depois de ter sido durante muitos anos Presidente da Comissão Nacional para a Avaliação do Ensino Superior. Aguardamos, assim, com muita curiosidade este texto que foi proferido na Universidade do Mindelo, Cabo Verde, no momento em que foi justamente agraciado com este especial e sentido Doutoramento Honoris Causa. Convém, a propósito, não esquecer o papel muito relevante que o Professor Doutor Adriano Moreira teve no lançamento do Ensino Superior nos territórios ultramarinos portugueses na década de 1960.
O meu artigo neste número da Nova Águia versa uma das figuras centrais da Renascença Portuguesa, Jaime Zuzuarte Cortesão, na sua umbilical ligação a este movimento e no seu crescimento cívico e intelectual como actor político que marcou a História de Portugal do século XX, pelas suas fundas convicções ideológicas que o fez assumir uma coerência muito rara, e como historiador que nos deixou uma obra notavelmente inovadora e rica pelas suas perspectivas epistemológicas fracturantes e pelo seu inesgotável labor de investigação nos arquivos históricos de vários países.
Este meu texto dará azo a uma comunicação que farei no II Ciclo de Estudos de Homenagem a António Telmo num espaço privilegiado da Biblioteca Municipal de Sesimbra, organizado pelo Círculo Cultural António Telmo. Tenho a honra de partilhar a mesa com ilustres oradores que nos falarão de várias figuras de artistas e escritores ligados à Renascença Portuguesa num Ciclo vasto de comunicações que se espraiam de Março a Novembro deste ano. No dia em que irei apresentar a minha comunicação, a 30 de Junho, haverá oportunidade de ouvirmos falar de várias outras facetas importantes de Jaime Cortesão. Procurarei, claro está, transcender as minhas próprias ideias destiladas no texto da Nova Águia nº 9, embora naturalmente me alavanque nelas para vos apresentar a minha perspectiva deste inspirador Humanista da nossa Contemporaneidade.
Além dos textos ensaísticos sobre o futuro da Pátria e o passado evocado nas figuras de insignes escritores e filósofos ligados à Renascença Portuguesa ou ao espírito Lusófono (Sampaio Bruno, Guerra Junqueiro, Jaime Cortesão, Ernesto Guerra da Cal, Sílvio Romero, Ortega y Gasset, João de Deus, entre muitos outros) temos oportunidade de voar nas asas dos poemas que nos são apresentados. Não despiciendas são as recensões críticas que nos escalpelizam livros recentemente publicados, de que saliento a leitura de António Carlos Carvalho sobre o livro de Pedro Martins “O Segredo de Grão Vasco” e a leitura de Sérgio Quaresma sobre o livro da jornalista Bárbara Wong “A minha sala é uma trincheira”. Temos, pois, bons motivos para nos interessarmos por este promissor novo número da Nova Águia.
Sociedade de Geografia de Lisboa (onde se realizou o III Congresso Colonial em 1930)
Em Moçambique nos anos 20 foi ventilada a tese da descentralização regionalista, isto é, a defesa da divisão do território em duas regiões administrativas: a norte centrada em Tete e a sul centrada em Lourenço Marques. Os principais pronentes desta solução eram proprietários e empresários da região de Tete e da cidade da Beira que consideravam a sua região mais produtiva do que a zona sul, mas em que as riquezas, ao invés, eram absorvidas pela administração sediada em Lourenço Marques.
Em plena crise económica Moçambicana, em 1925, o “Grémio dos Proprietários e Agricultores da Zambézia” defendiam a divisão administrativa desta colónia em duas regiões[1], com o objetivo de que a zona norte não se limitasse a transferir as suas riquezas provenientes da agricultura e da indústria para o ocioso sul. Pretendia este grupo que se criassem duas regiões administrativas distintas com orgãos próprios e prerrogativas específicas, de forma que esta descentralização regional representasse melhor os interesses económicos da Zambézia. No entanto, a tese oficial perfilhou a opção da unidade administrativa de Moçambique, porventura por tal escolha garantir uma maior proteção em relação ao risco do sul de Moçambique ser anexado pela União Sul-Africana como pretendia o general Jan Smuts.
Nas passagens seguintes, de uma notícia num periódico colonial, nota-se o ceticismo do jornalista em relação a esta sugestão administrativa heterodoxa:
“(...) Quanto à divisão da Província [ de Moçambique ] em duas, parece-nos que os argumentos invocados pelo Grémio dos Proprietários e Agricultores da Zambézia não tem consistência por aí além. Que o sul vive dos cambiais do Rand, não tendo uma produção agrícola ou industrial que lhe garanta a continuação do seu fastoso luxo de capital de colónia ? Mas nem mesmo que assim sucedesse, que não sucede, o norte teria o direito de defender a desagregação de Moçambique. Os distritos juntos, auxiliando-se mutuamente, como partes do mesmo todo, resistem incontestavelmente melhor a todos os embates, do que estando sujeitos a orientações diversas; com métodos administrativos diferentes. (...)”[2]
O reconhecido professor, da Escola Superior Colonial, José Gonçalo Santa-Rita pugnou também em 1930 pela divisão administrativa de Moçambique em duas regiões . Numa análise preambular afirmou que as ineficácias administrativas coloniais tinham provocado algumas crises resultantes da descentralização implementada ser imperfeita, pois a seu ver a delegação/ desconcentração administrativa de poderes não chegava aos governadores subalternos, os quais eram considerados pelos governadores gerais como burocratas e não como “micro-decisores”. Assim, a transferência de competências não tinha descido toda a estrutura administrativa colonial, tendo havido na década de 1920 excessivos poderes conferidos aos governadores-gerais e aos Altos Comissários, mas não aos governadores subalternos das províncias e dos distritos.
Assim, embora subscrevesse a divisão administrativa das colónias, com base neste argumento, discordava da fragmentação administrativa de Angola em duas grandes zonas[3], cujos centros seriam Luanda e Mossamedes, porque as diferenças geográficas e económicas entre estas regiões não seriam suficientes para as justificar. Contudo, quanto a Moçambique concordava com a sua divisão em duas grandes áreas administrativas, a norte na região de Tete e a sul na região de Lourenço Marques, por existirem razões de diferenciação económica e geográfica que as fundamentavam. Esta tese foi proclamada no III Congresso Colonial Nacional com o apoio de eminentes coloniais.
Notas:
[1] “Moçambique”, in Portugal, nº 34, 26 de dezembro de 1925, p. 1.
[2] Ibidem, p. 1. [ Continuação da citação do texto: “(...) Além disso, o desenvolvimento e o grau de civilização dos distritos ao norte do Zambeze não é também de molde a permitir uma emancipação em forma, nem essa emancipação, a dar-se abreviaria quer-nos parecer o aperfeiçoamento intelectual dos povos, desligados como ficavam do centro principal da civilização. (...)”.
[3] José Gonçalo da Costa Santa-Rita, “Grande divisão administrativa das colónias”, in 3º Congresso Colonial Nacional, Lisboa, Edição da Sociedade de Geografia de Lisboa, 1934, 6 p.
Opúsculo de Bernardino Machado publicado em França
A vitalidade das teses coloniais heterodoxas de 1919 a 1930, durante a 1ª República e o início da Ditadura Militar, ficou a dever-se, simultaneamente, à pouca solidez das teses oficiais sustentadas pelos Estadistas e às grandes ameaças, externas e internas, que pairaram sobre a soberania colonial portuguesa. Nesta época, após as campanhas de pacificação de Angola, da Guiné e de Moçambique, do fim do século XIX e início do século XX, estava a ser construído o Estado colonial português e havia necessidade de ocupar estes territórios com populações metropolitanas. Esta conjuntura histórica explica que tenham aparecido inúmeras teses coloniais heterodoxas, que procuravam identificar a melhor forma de acautelar o futuro dos territórios ultramarinos de Portugal.
Na metrópole foram propostas, sobretudo, teses descentralizadoras, centralizadoras e reformistas da administração colonial destinadas a tornar mais eficaz a máquina administrativa, de forma a libertá-la das críticas ferozes da opinião pública internacional. Em Angola e, sobretudo, em Moçambique circularam as teses anticolonialistas e descentralizadoras radicais, defendidas por grupos de colonos com aspirações autonomistas ou, mesmo, independentistas.
De facto, foi nos anos de 1922 a 1926 que, em pleno regime demoliberal, se manifestaram estas teses mais extremistas que corresponderam, nestas duas colónias, à governação, de José Maria Norton de Matos e de Manuel de Brito Camacho, repressiva dos abusos laborais sobre os indígenas e ao desequilíbrio financeiro dos respectivos orçamentos. Assim, esta conjuntura de crise política e social “abriu a porta” ao emergir destas teses coloniais heterodoxas: umas mais moderadas, defendidas pelos metropolitanos e outras mais extremistas, sustentadas pelos colonos.
É sintomático que a seguir à consagração jurídica do Acto Colonial, em 1930, no fim do regime da Ditadura Militar e depois durante o Estado Novo, o debate doutrinário tenha sido silenciado, porque passou a existir um “corpo de doutrina” durante estes regimes autoritários que impeliu à repressão das teses coloniais heterodoxas. Só os exilados, como por exemplo Bernardino Machado, puderam veicular livremente as suas ideias coloniais à revelia da ideologia dos regimes autoritários portugueses. Revela-se, pois, como muito significativo que o último momento de debate aberto na política colonial portuguesa tenha emergido do III Congresso Colonial Português realizado na Primavera de 1930 na Sociedade de Geografia de Lisboa, antes da promulgação daquele documento legal.
Verificamos com base na nossa investigação histórica[1] que o debate em torno da estruturação da administração colonial, nos anos de 1920 e 1930, não se cingiu à escolha dualitária entre centralizar ou descentralizar, porque abrangeu também os diferentes graus de operacionalização de cada uma destas tendências e os efectivos mecanismos de os concretizar.
Poder-se-à afirmar que a Historiografia actual tem andado equivocada ao considerar que este debate se limitou à escolha dicotómica entre as duas tendências, visto que na realidade a discussão política se centrou na amplitude a conferir à descentralização ou à centralização. Na verdade, a prova que o debate político não se restringia a esta dualidade é o facto dos tratadistas de Direito Colonial classificarem, na altura, os sistemas coloniais de acordo com a seguinte trilogia: sujeição, assimilação ou autonomia[2].
Por exemplo, o professor da Escola Superior Colonial José Gonçalo Santa-Rita, prestigiado teorizador da administração colonial[3], categorizou os sistemas administrativos da seguinte forma: de sujeição, eminentemente centralizador da estrutura administrativa; de assimilação, eminentemente uniformizador da estrutura administrativa de todo o território nacional ( metrópole e colónias ); e de autonomia, eminentemente descentralizador da máquina administrativa quase a meio caminho da completa emancipação política. Apreciava o sistema assimilador como mais equilibrado, porque não sendo autoritário concedia algumas liberdades às colónias, sem no entanto lhes facilitar uma futura desvinculação da soberania metropolitana.
Este teórico concordava em 1931 com a oportunidade do Acto Colonial, pelo seu carácter nacionalista, embora não o identificasse como consignando um sistema de sujeição para não lhe atribuir explicitamente um cariz centralizador. Afirmava, inclusivamente, que este diploma consagrava o regime de descentralização administrativo, não obstante reconhecesse, contraditoriamente, que concedia mais poderes à metrópole. Esta clara manipulação ideológica da opinião pública sucedeu, porque depois de intensa campanha de múltiplos e distintos publicistas nas primeiras três décadas do século XX a favor da descentralização administrativa colonial ( António Enes, Eduardo Costa, Júlio de Vilhena, José Ferreira Marnoco e Sousa, Rui Ulrich, Tomás de Almeida Garrett, etc ) era difícil sustentar uma posição doutrinária inequívoca propícia à centralização do sistema colonial.
Por conseguinte, o debate dos doutrinadores políticos girou quase sempre em torno do grau de concretização de uma orientação ou de outra ( centralização versus descentralização ). Deste modo, a amplitude assumida pelo debate da questão, em relação à forma como estruturar a administração colonial, está longe da visão simplificada da maioria dos Historiadores.
Contudo, esta polémica dividiu a sociedade portuguesa, embora tivessse havido uma defesa mais generalizada do princípio descentralizador, ao passo os defensores da tese centralizadora procuravam encobrir a sua posição asseverando que também lutavam por uma descentralização, porquanto o contexto histórico da doutrina internacional do Tratado de Versalhes de 1919 e dos antecedentes doutrinários portugueses do fim do século XIX e princípio do século XX eram claramente a favor da descentralização administrativa. Com efeito, historicamente podemos afirmar que desde 1895 com o Comissário Régio de Moçambique António Enes e depois com a realização do I Congresso Colonial Nacional[3] na Sociedade de Geografia de Lisboa em 1901 se tornou dominante na opinião pública a importância do princípio descentralizador da administração colonial.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Investigação histórica orientada pelas diligências incansáveis do Professor Doutor José Medeiros Ferreira.
[2] Cf. Júlio Monteiro Roque da Silveira, Lições da cadeira de Administração Colonial, Famalicão, Tipografia Minerva, 1931, p. 194.
[3]Congresso Colonial Nacional. Actas das sessões, Lisboa, Edição da Sociedade de Geografia de Lisboa, 1902.
“Fernando Maria de Almeida Pedroso (1818-1901) – breve retrato de um aristocrata das ideias” (14)[1]
Fernando Maria de Almeida Pedroso, nascido na vila de Mangualde no ano de 1818, filho de Joaquim Maria de Almeida Pedroso e de Inês Adelaide do Amaral assumiu-se como um destacado intelectual, de cepa nacionalista, africanista, católica e legitimista, durante o regime da Monarquia Constitucional Portuguesa do fim do século XIX. Afirmou-se na sociedade portuguesa como jornalista e ideólogo político, sobretudo nos anos 70, 80 e 90[2], tendo contactado e polemizado com numerosos membros das elites político-culturais e sido reconhecido por muitos como “primus inter pares”.
Licenciou-se em estudos jurídicos, terminando o curso na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em 1840, tendo exercido advocacia nos primeiros anos no escritório do Dr. Emaus em Lisboa e sido conselheiro jurídico[3] dos Marqueses de Abrantes, da família Lencastre e Távora, ao assumir designadamente a tutoria do menor D. João de Lencastre e Távora.
Nos meados dos anos 70, no contexto histórico da exploração científica em África, Fernando Pedroso foi um dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa, conjuntamente, com Luciano Baptista Cordeiro de Sousa[4], que a concebeu como instituição de estudo, e com outras personalidades da elite intelectual portuguesa. Com efeito, antes da estratégica decisão internacional da Conferência de Berlim de 1884/85[5], deliberativa do novo critério jurídico das soberanias nacionais europeias em África, evidenciou um pensamento visionário ao perceber e proclamar nas instâncias científicas, culturais e políticas nacionais o interesse em promover a acção das Missões Católicas nas lusitanas colónias africanas.
Este caminho de reflexão doutrinária que trilhou fê-lo ser nomeado pelo governo para vogal da Junta Geral das Missões e nomeado, conjuntamente com o bispo D. José Maria da Silva Ferrão de Carvalho Martens, membro da Comissão de Estudo do Problema Missionário em África e, posteriormente, catapultou-o para a prestigiante presidência da Sociedade de Geografia de Lisboa.
Na sua acção política, que não se encontra tão bem documentada[6], detectámos na nossa pesquisa que pertenceu ao Movimento Centro Católico que tinha por objectivo eleger deputados de matriz católica e que o propôs como candidato. Em verdade, encontramo-lo nos anais de História, várias vezes, mencionado como candidato a deputado nos anos 80 e efectivamente como deputado eleito por Lisboa em 1890[7], tendo por fim alcançado o estatuto de Par do Reino das Cortes portuguesas em 1900.
Convém sublinhar que foi um reputado jornalista na segunda metade do século XIX nos periódicos Nação, Católico, Pátria, Direito e Jornal da Noite e foi ainda correspondente do jornal Parisiense L’Ami de la Réligion onde teceu considerações sobre a realidade religiosa portuguesa. A sua competência profissional foi reconhecida, abraçando a direcção do jornal Nação em que sustentou teses eivadas dum conservadorismo católico e de legitimação da monarquia absoluta. Nesta sua actividade de criação de artigos de opinião, assumindo-se como um autêntico “opinion maker”, manteve acesas polémicas com eminentes intelectuais portugueses como António Augusto Teixeira de Vasconcelos, José Duarte Ramalho Ortigão[8], Raimundo Bulhão Pato, José da Silva Mendes Leal, etc.
Da sua tendência ideológica conservadora de laivos religiosos, corroborada pelo facto de ter pertencido no nosso país à Comissão Promotora do Dinheiro de S. Pedro destinada a auxiliar a crise financeira dos Estados pontifícios em resultado da instabilidade política em Itália no início da década de 1860, derivou a dinâmica da Igreja Católica portuguesa de propor a sua beatificação à Cúria Pontifícia ao ponto do sarcástico Rafael Bordalo Pinheiro afirmar na sua cáustica prosa em tom jocoso, tão típico da mentalidade anticlerical da altura, o seguinte do conselheiro Fernando Maria de Almeida Pedroso: “(…) O senhor Fernando Pedroso depois de bem espremido deu água benta, que até cheirava a santidade. (…)”[9]
Assim, o protagonismo público e intelectual de Fernando Maria de Almeida Pedroso, na sociedade portuguesa do fim do século XIX, é inegável, tendo chegado também a presidir à Associação Imprensa de Lisboa onde teve oportunidade de contactar com outras eminentes personalidades intelectuais e políticas da História Oitocentista portuguesa, como se pode aliás depreender consultando o seu Boletim, o da Sociedade de Geografia de Lisboa e os inúmeros periódicos em que colaborou.
Em conclusão, o papel relevante que Fernando Pedroso desempenhou como membro da Junta Geral das Missões, de que foi secretário, como jornalista, como estudioso da realidade ultramarina e como político em prol das Missões Católicas[10] na África portuguesa, e em particular na colónia de Angola, no adverso quadro histórico do anticlericalismo dominante, como veículos da acção civilizadora do país proporcionou-lhe o reconhecimento público da sociedade do seu tempo. Na realidade, afigura-se-nos que terá recebido da Casa Real Portuguesa em função dos seus meritórios préstimos à causa pública o título de conselheiro[11], uma condecoração pontifícia por ter ajudado a acudir às dificuldades económicas da Santa Sé no supra mencionado episódio[12] e, postumamente, o seu nome foi honrosamente inscrito pela edilidade lisboeta na toponímia urbanística da cidade[13].
Em suma, Fernando Maria de Almeida Pedroso foi um autêntico aristocrata das ideias políticas, que defendeu a causa miguelista e o ideal africanista que assumiu particular veemência nas teses que apresentou ao I Congresso Colonial Nacional realizado na Sociedade de Geografia de Lisboa em 1901[14], cujos méritos foram reconhecidos à época e que bem merecem ser conhecidos do grande público dos nossos dias e ser estudados pela moderna historiografia portuguesa.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Reconheço, postumamente, o contributo que devo ao meu Tio Joaquim Filipe Telles Moniz Côrte-Real, mestre autodidacta, pelas pistas informativas e por algum suporte documental fornecidos; que foram enriquecimentos inestimáveis para as minhas pesquisas e para a realização desta crónica.
[2] Vide “Fernando Maria de Almeida Pedroso”, in Álbum Legitimista, nº 29, Lisboa, 1889, pp. 1-4.
[3] Fernando Maria de Almeida Pedroso, Exposição, que ao conselho de família do menor D. João de Lencastre e Távora faz o tutor d’ este, Fernando Maria de Almeida Pedroso, s.l., s.e., séc. XIX.
[4] Adriano Moreira, “Os transmontanos no mundo: Luciano Cordeiro – Sarmento Rodrigues”, in Comentários, Lisboa, Edição Academia Internacional da Cultura Portuguesa, 1989, pp. 91-106.
[5] Maria Ângela Branco, “Conferência de Berlim”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol. 1, Lisboa, Selecções Reader’s Digest, 1989, p. 69.
[6] A vida política e intelectual de Fernando Maria de Almeida Pedroso já merece pelos dados registados uma monografia universitária, visto que esta crónica é um texto essencialmente de divulgação histórica.
[7] Resta saber se o partido político pelo qual alinhou foi sempre o Legitimista ou se aderiu a algum partido minoritário de duração efémera.
[8] Vide “Fernando Maria de Almeida Pedroso”, in Álbum Legitimista, nº 29, Lisboa, 1889, pp. 2.
[9]O António Maria, 4 de Setembro de 1895, p. 1. Há, efectivamente, uma versão corrente na opinião pública que sustenta a ideia de que teria sido proposta a beatificação de Fernando Maria de Almeida Pedroso, mas faltam-nos provas documentais que nos elucidem melhor sobre esta questão e daí a pertinência dum estudo sobre esta importante figura histórica.
[10] Aliás, irá ser o Ministro das Colónias, Comandante João Belo que, no fim da década de 1920, dará o vigor institucional às Missões Católicas ultramarinas, mas na verdade foi Fernando Pedroso que algumas décadas antes as fundamentou como instrumento de civilização das populações indígenas africanas. Cf. João Carlos Paulo, “Missões Católicas no Ultramar”, in Dicionário de História do Estado Novo, vol. II, Lisboa, Edições Bertrand, 1996, pp. 602-604.
[11] Esta hipótese historiográfica que lanço carece, todavia, de comprovação documental.
[12] Vide “Fernando Maria de Almeida Pedroso”, in Álbum Legitimista, nº 29, Lisboa, 1889, pp. 2.
[13] Nas proximidades da Rua do Arco do Cego, em Lisboa, situa-se a Rua Fernando Pedroso que homenageia este ilustre intelectual português do século XIX.
[14] Foi numa fria noite de Inverno, corria o ano de 1901 que, ao sair de uma sessão do I Congresso Colonial Nacional na Sociedade de Geografia de Lisboa, Fernando Maria de Almeida Pedroso apanhou um resfriado que o fez falecer já octogenário, gerando-se por isso uma emocionada consternação geral após as suas faiscantes intervenções públicas assumidas nesta reunião de africanistas.