MÁRIO SOARES E TERESA DE SOUSA LANÇAM O LIVRO “PORTUGAL TEM SAÍDA” (LISBOA, EDITORA OBJECTIVA, 2011) – BREVE RECENSÃO CRÍTICA
No dia 4 de Julho de 2011 ao fim da tarde no edifício do Corte Inglês, de Lisboa, foi lançado o livro “Portugal tem saída” (Lisboa, Editora Objectiva, 2011) de Mário Soares e Teresa de Sousa. Este livro surgiu de uma reflexão política resultante de uma longa conversa, prolongada por várias semanas, entre os dois autores, Mário Soares como pensador e Teresa de Sousa como jornalista que o entrevistou, a propósito da crise financeira portuguesa. O livro foi apresentado pelo Advogado Vasco Vieira de Almeida que fez uma dissertação histórico-política, que recuou até à Europa do século XIX.
Mário Alberto Nobre Lopes Soares (nascido em 1924), de quem tive o privilégio de ter um livro assinado, é como me dizia um amigo “uma lenda viva”. Já antes da mega Crise do Capitalismo de 2008 denunciava os mecanismos financeiros dos mercados internacionais que funcionavam como “casinos”. Pela sua sólida formação Humanista, apoiou estas reflexões nos conhecimentos históricos que considera fundamentais para gerar estratégias sustentadas para o presente e o futuro do país e do mundo. Foi, pois, bem feliz esta iniciativa editoral da Objectiva.
Começa por afirmar que Portugal, que está no centro do turbilhão do movimento especulativo internacional, evoluiu muito entre 1984 e 2011 devido à integração Europeia (1985/86) e à formação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (1996). Todavia, alerta para o facto da integração Europeia ter sido encarada pelo senso comum como a chegada ao “Paraíso”, o que levou muitos cidadãos a não terem consciência das suas responsabilidades e dos seus deveres e do Estado perante os seus credores. Num balanço de Filosofia da História assegura-nos que as duas últimas décadas na Europa levaram ao colapso do Comunismo e à afirmação, concomitante, do Neoliberalismo, sendo que no presente se constata o esgotamento deste modelo político, plasmado nesta nova ideologia, porque os políticos Europeus não compreenderam o seu falhanço e a necessidade de criar outro paradigma alternativo com a força das suas inteligências.
Do seu avisado ponto de vista, o novo paradigma implica um Capitalismo Global, regulado pela Ética, que ponha cobro à impunidade dos paraísos fiscais e das agências de “rating” que apenas favorecem os jogos especulativos e as ganâncias egoístas. Nesta conjuntura do défice público português emergem dois factores nacionais potenciadores deste problema: a especulação importada do mundo Globalizado e os gastos excessivos públicos e privados[1]. Nesta encruzilhada da crise, a Europa poderá seguir as receitas neoliberais que vão agravar a recessão ou optar por mudar o paradigma político de desenvolvimento.
Mário Soares considera que a melhor saída desta crise pantanosa[2] é o caminho federalista, à revelia do pensamento da Chanceler Ângela Merkl, escorado num novo modelo ideológico mais solidário. Na sua opinião, optimista, só uma Europa unida e socialmente coesa permitirá ao Velho Continente readquirir o seu prestígio internacional, caso contrário a decadência e a desagregação institucional serão inevitáveis. A seu ver, as actuais políticas de austeridade, da maioria dos Governos de Direita da Europa, irão gerar recessão económica, descontentamento popular e incapacidade de resolver os problemas estruturais das suas sociedades. Com efeito, a União Europeia continua sem dar resposta à crise do Euro e só reage aos ataques especulativos dos mercados aos países em risco de bancarrota (Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Bélgica, etc.). Foi um exemplo a reacção, em uníssono, face à quebra de Portugal no “rating” da Moody’s que causou uma enorme polémica e consternação pública nacional e nas instâncias Europeias.
Desde os anos 90 que o socialismo de terceira via tentou adaptar o socialismo democrático à Globalização. No entanto, a crise financeira e o quase desaparecimento de Governos Socialistas Europeus no activo provam a necessidade da reflexão da Esquerda democrática encontrar uma nova estratégia, uma vez que a presente crise pode desembocar em movimentos de agitação social. A refundação do socialismo democrático/da social-democracia é fundamental para se garantir à Europa, e ao mundo, um desenvolvimento sustentável que garanta o progresso económico, social e político, o que não tem acontecido na Era da Globalização Neoliberal (1990-2011).
Neste livro, Mário Soares tece algumas considerações sobre o debate eleitoral em volta das eleições legislativas de 5 de Junho, no entanto o mais interessante é análise estrutural que faz à crise do Euro e das dívidas soberanas. Mostrou uma grande lucidez ao antever inúmeros problemas que estiveram por detrás da crise financeira de 2008 e da crise das dívidas soberanas Europeias de 2010-2011. Na sua visão, esclarecida e sensível às problemáticas sociais, indica a necessidade, dos países em risco de queda na bancarrota, se indignarem com as políticas tendencialmente centralistas (de germanização) que a União Europeia, a reboque da Alemanha, está a dar sinais de querer seguir. Nestas suas reflexões indica, como desejável receita económica, que a Esquerda deve associar as políticas de austeridade, face ao despesismo, com a promoção de crescimentos económicos nos países Europeus.
Só a 8 de Julho de 2011 o Presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, aderiu à tese de que a Europa não deve estar subjugada à arbitrariedade dos mercados especulativos, reagindo à notação financeira atribuída, na primeira semana deste mês, pela agência de rating Moody’s à dívida portuguesa. Neste opúsculo, Mário Soares sustenta, com bastante clarividência, que as correntes políticas Socialistas têm de exigir que a União Europeia se consubstancie numa unidade institucional, verdadeiramente social e política, que não permita que os negócios contaminem a vida pública, a qual deve ser exercida tendo por base princípios Éticos[3].
O autor deixa-nos uma palavra de esperança face à crise que Portugal e a Europa atravessam, porque, com bom senso e sensibilidade, diz-nos que por maior que seja a crise de um país ou de uma região, em situação de pré-bancarrota, é necessário agir com sensatez e confiança e não com dramatismos. Infere que, se a União Europeia entrar em colapso, todos os países Europeus sairão a perder perante as dinâmicas das novas potências emergentes, mas que a nação “Lusíada”, já com nove séculos de existência, encontrará outras alternativas de sobrevivência que lhe permitirão encontrar saídas para esse drama eventual e indesejável.
A nova Era, que vivemos, entre 1989 e 2011 tem desmentido a tese de Francis Fukuyama de “fim da História”, porque esta conjuntura tecnocrática não deu azo à generalização de regimes democráticos sólidos a nível mundial e os desafios Globais são inumeráveis. Se, por um lado, as Revoluções democráticas do Norte de África, de 2011, têm sido uma resposta justa no mundo Muçulmano aos fenómenos do fundamentalismo, por outro lado, os arremedos nacionalistas, que se anunciam no horizonte, são uma resposta indesejável à crise financeira internacional, porque as velhas potências estão a ver os seus poderes crescentemente diluídos.
Em conclusão, Mário Soares, como pensador da nossa Contemporaneidade política, lembra-nos a necessidade da Ética, voltar a ser rainha em detrimento do dinheiro alçado à realeza mediante a imposta “teologia do mercado”, dever dirigir a investigação científica, a vida económica e a labuta política para que possamos escapar à anarquia da selva egoísta do “Capitalismo de casino” que está instalado no centro da Globalização[4].
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Mário Soares e Teresa de Sousa, Portugal tem saída, Lisboa, Editora Objectiva, 2011, p. 17.
[2] A expressão de “pântano” faz-nos recordar o termo de António Guterres quando se demitiu, em Dezembro de 2001, ao constatar a vulnerabilidade das soluções neoliberais.
[3] Pelo mesmo diapasão crítico afina Joana Amaral Dias em vários textos do seu livro de crónicas: Cf. Joana Amaral Dias, “A miséria da ganância”, in Portugal a arder, Lisboa, Editora Objectiva, 2011, pp. 202-204.
[4] A nível interno, o autor diz-nos que a derrota do Partido Socialista, em 5 de Junho de 2011, resultou do fanatismo partidário da extrema-esquerda, esquecendo-se que a falta de um novo paradigma de socialismo democrático na Europa não ajudou a mobilizar a sociedade portuguesa.