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Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão

Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.

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FERNANDO DA FONSECA (1895-1974) – UM EXEMPLAR MÉDICO PORTUGUÊS DE FEIÇÃO HUMANISTA

 

  Fernando da Fonseca. Díário de Lisboa.png

 

 

Fernando da Conceição da Fonseca nasceu no seio de uma família remediada, em que os pais eram professores, no final do século XIX. Como médico, o Professor Fernando da Fonseca, destacou-se pelo grande saber e pela profunda experiência profissionais, ao mesmo tempo em que revelou, pelo seu sentido humanista, uma excecional cordialidade no trato humano e uma ímpar dedicação para com os seus doentes.

 

Foi um exímio estudante nos Liceus da Lapa, no Pedro Nunes e na Faculdade de Medicina de Lisboa. Na sua formação médica deparou-se com distintos médicos como professores, que lhe moldaram o espírito para as exigências humanas e técnicas da profissão, designadamente Egas Moniz, Ricardo Jorge, José Curry Cabral e Francisco Pulido Valente.

 

Tal como o humanista e médico Jaime Cortesão, Fernando alistou-se como voluntário no Corpo Expedicionário Português, em 1918, tendo sido incorporado na secção BI23, da frente de batalha em Neuve Chapelle, na região da Flandres. Recebeu, então, em reconhecimento desta sua patriótica ação os títulos honoríficos de Cavaleiro da Ordem de Cristo e uma condecoração da Torre e Espada.

 

No campo da Medicina, o Professor Francisco Pulido Valente foi um mestre que lhe enformou a alma de dedicação deontológica e de sensibilidade ética para com os seus doentes, tendo feito a sua tese de licenciatura sobre o problema do Colestrol, com que obteve a invulgar classificação de 19 valores.

 

Entretanto, Fernando, promissor investigador, foi estudar para a Alemanha, país fortemente humilhado pelas pesadas sanções impostas pelo Tratado de Versalhes pelos vencedores da Grande Guerra, nos anos de 1923 e de 1924 doenças da Medicina Interna, tendo, desde essa altura, iniciado uma profícua atividade editorial em revistas da especialidade.

 

No ano de 1929, obteve através de provas públicas o lugar de assistente no Hospital Central de Lisboa, passando a trabalhar no Hospital Curry Cabral, o que o levará a interessar-se pelas doenças infetocontagiosas. Neste contexto histórico, enquanto as alienações ditatoriais se espraiavam pela Europa, investiga as propriedades do bacilo de Koch, que o catapultará para um novo estudo, apresentado em 1933 em concurso de agregação na Faculdade de Medicina de Lisboa.

 

Como resultado da aprovação pelo Conselho Científico desta universidade, é-lhe entregue a regência da disciplina de doenças infetocontagiosas. Neste mesmo ano, e já com 36 anos, casou com Maria da Graça Silva, sua colega de curso, que muito o terá apoiado nos seus esforços formativos.

 

No decurso da 2ª guerra mundial, desenvolveu estudos no âmbito das doenças infetocontagiosas, decerto ainda impressionado com a traumática experiência que presenciou na frente de batalha ao vislumbrar as deficientes condições sanitárias tidas pelos soldados nas trincheiras, no conflito mundial anterior.

 

Em 1943, concorre para o lugar de professor catedrático, que ocupou, sendo-lhe entregue a cadeira de Propedêutica Médica. Consta que, entre os alunos, gozava de um excecional carisma, tal como entre os seus doentes, devido à elevada sensibilidade com que os tratava. Concomitantemente, continuou a colaborar em artigos em várias revistas científicas, nacionais e estrangeiras.

 

Após este hediondo conflito internacional, crente nas virtudes dos regimes democráticos juntou-se ao Movimento de Unidade Democrática, proferindo uma eloquente conferência sobre o miserável estado da saúde pública em Portugal, pelo que o prepotente ditador Oliveira Salazar o exonera de todos os cargos públicos. Nesta situação, completamente arredado da carreira universitária, acaba por se dedicar à investigação no Instituto de Oncologia e ao exerício de clínico privado, onde será médico de Sarkisian Calouste Gulbenkian e do almirante Sarmento Rodrigues.

 

Aos 79 anos acabará fulminado por um enfarte do miocárdio, tendo sido sepultado no Cemitério dos Prazeres.

 

Numa homenagem póstuma, em 1995 foi evocado no Centenário do seu nascimento, designadamente pelo distinto clínico Luís Silveira Botelho e, mais tarde, o seu nome foi justamente atribuído ao Hospital Amadora-Sintra[i] 

[i] Este texto é tributário dos artigos de Luís Silveira Botelho, de um texto conjunto de Maria Velho, Rafaela Pereira, Raquel Pereira e Ricardo Moço e, ainda, do artigo do Diário de Lisboa de 22 de julho de 1974.

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

DEBATE POLÍTICO RELATIVO AO SISTEMA ADMINISTRATIVO COLONIAL ENTRE 1919 E 1945

Verificamos com base na nossa investigação histórica[1] que o debate em torno da estruturação da administração colonial,  nos anos de 1920 e 1930, não se cingiu à escolha dualitária entre centralizar ou descentralizar, porque abrangeu também os diferentes graus de operacionalização de cada uma destas tendências e os efectivos mecanismos de os concretizar.

 

Poder-se-à afirmar que a Historiografia actual tem andado equivocada ao considerar que este debate se limitou à escolha dicotómica entre as duas tendências, visto que na realidade a discussão política se centrou na amplitude a conferir à descentralização ou à centralização. Na verdade, a prova que o debate político não se restringia a esta dualidade é o facto dos tratadistas de Direito Colonial classificarem, na altura, os sistemas coloniais de acordo com a seguinte trilogia: sujeição, assimilação ou autonomia[2].

 

Por exemplo, o professor da Escola Superior Colonial José Gonçalo Santa-Rita, prestigiado teorizador da administração colonial[3], categorizou os sistemas administrativos da seguinte forma: de sujeição, eminentemente centralizador da estrutura administrativa; de assimilação, eminentemente uniformizador da estrutura administrativa de todo o território nacional ( metrópole e colónias ); e de autonomia, eminentemente descentralizador da máquina administrativa quase a meio caminho da completa emancipação política. Apreciava o sistema assimilador como mais equilibrado, porque não sendo autoritário concedia algumas liberdades às colónias, sem no entanto lhes facilitar uma futura desvinculação da soberania metropolitana.

 

Este teórico concordava em 1931 com a oportunidade do Acto Colonial,  pelo seu carácter nacionalista, embora não o identificasse como consignando um sistema de sujeição para não lhe atribuir explicitamente um cariz centralizador. Afirmava, inclusivamente, que este diploma consagrava o regime de descentralização administrativo, não obstante reconhecesse, contraditoriamente, que concedia mais poderes à metrópole. Esta clara manipulação ideológica da opinião pública sucedeu, porque depois de intensa campanha de múltiplos e distintos publicistas nas primeiras três décadas do século XX a favor da descentralização administrativa colonial ( António Enes, Eduardo Costa, Júlio de Vilhena, José Ferreira Marnoco e Sousa, Rui Ulrich, Tomás de Almeida Garrett, etc ) era difícil sustentar uma posição doutrinária inequívoca propícia à centralização do sistema colonial. 

 

Por conseguinte, o debate dos doutrinadores políticos girou quase sempre em torno do grau de concretização de uma orientação ou de outra ( centralização versus descentralização ). Deste modo, a amplitude assumida pelo debate da questão, em relação à forma como estruturar a administração colonial, está longe da visão simplificada da maioria dos Historiadores.

 

Contudo, esta polémica dividiu a sociedade portuguesa, embora tivessse havido uma defesa mais generalizada do princípio descentralizador, ao passo os defensores da tese centralizadora procuravam encobrir a sua posição asseverando que também lutavam por uma descentralização, porquanto o contexto histórico da doutrina internacional do Tratado de Versalhes de 1919 e dos antecedentes doutrinários portugueses do fim do século XIX e princípio do século XX eram claramente a favor da descentralização administrativa. Com efeito, historicamente podemos afirmar que desde 1895 com o Comissário Régio de Moçambique António Enes e depois com a realização do I Congresso Colonial Nacional[3] na Sociedade de Geografia de Lisboa em 1901 se tornou dominante na opinião pública a importância do princípio descentralizador da administração colonial.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 



[1] Investigação histórica orientada pelas diligências incansáveis do Professor Doutor José Medeiros Ferreira.

[2] Cf. Júlio Monteiro Roque da Silveira, Lições da cadeira de Administração Colonial, Famalicão, Tipografia Minerva, 1931, p. 194.

[3] Congresso Colonial Nacional. Actas das sessões, Lisboa, Edição da Sociedade de Geografia de Lisboa, 1902.

 

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