Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Alfredo Cristiano Keil nasceu em Lisboa de uma família de ascendência alemã. Foi, na juventude, educado em Munique e em Nuremberga nos anos de 1869-1870, tendo sido influenciado pela corrente estética do Romantismo.
Regressando a Portugal, devido à Guerra Franco-Prussiana em 1870, conseguiu-se afirmar no país como compositor e pintor de mérito. Com efeito, a sua sensibilidade lírica espraiou-se por diversos géneros artísticos que cultivou, destacando-se, ainda, na poesia que não teve tanta projeção pública.
A vivência numa família burguesa, ligada a negócios empresariais, permitiu-lhe uma educação esmerada com precetores particulares, viagens europeias e contactos frequentes com artistas famosos. Deste modo, este privilegiado ambiente familiar proporcionou-lhe a precoce manifestação dos seus dons artísticos, compondo peças para piano com 12 anos.
Em primeiro lugar, manifestou o seu talento como pintor de paisagens, que se consagrou internacionalmente em Exposições em países como França, Brasil e Espanha, antes de se apresentar ao público português (1890). Um dos mais importantes reconhecimentos internacionais foi a Menção Honrosa que recebeu, em 1878, numa exibição de pintura na Exposição Universal de Paris.
Com o prestígio que adquiriu, como pintor e compositor, teve oportunidade em fevereiro de 1890, na sequência do humilhante Ultimato Inglês (1890) face ao projeto colonial do mapa cor-de-rosa, de compor a marcha, eivada de sentimento patriótico, intitulada “A Portuguesa”, com letra de Henrique Lopes de Mendonça, que serviu de hino à República Portuguesa.
Foi iniciado na Maçonaria a 4 de janeiro de 1893[1], possivelmente como reconhecimento do seu préstimo à causa Patriótica. A 5 de outubro de 1910, após o seu falecimento, o regime Republicano foi proclamado ao som desta emocionante marcha.
Em segundo lugar, compôs no final do século XIX quatro óperas (Suzana, D. Branca, Irene e A Serrana) de grande virtuosismo estético, bem como cantatas e poemas sinfónicos, que o alçaram ao estrelato na sociedade portuguesa. Na autorizada opinião do músico Frederico de Freitas, Alfredo Keil foi o fundador de uma escola de ópera portuguesa, cujo expoente máximo foi a sua obra-prima A Serrana[2].
Alfredo Keil foi, também, um grande colecionador de arte e de instrumentos antigos, que constitui, aliás, a base patrimonial do Museu da Música de Lisboa. No ano em que faleceu, em 1907, publicou-se, postumamente, um livro seu de poemas e músicas intitulado Tojos e Rosmaninhos. Só no início do século XXI a sua obra pictórica e musical foi redescoberta por investigadores e ouvintes, a seguir a um longo e imerecido esquecimento.
Em conclusão, legou-nos uma valiosa obra artística, pictórica e musical, escorada nos pressupostos estéticos do Romantismo e num exacerbado sentimento Patriótico que se plasmou na emblemática composição hoje conhecida como hino nacional da República Portuguesa.
[1] Rui Ramos, O Cidadão Keil, Lisboa, Editora D. Quixote, 2010.
[2] Carlos Moura, “Alfredo Keil”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol.1, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, pp. 367-368.
Abílio Manuel de Guerra Junqueiro (1850-1923)[1] nasceu em Freixo de Espada-à-Cinta, em meados do século XIX, do casamento entre José António Junqueiro Júnior e Ana Guerra[2], abastados proprietários rurais da região. O jovem Abílio, após uma formação incompleta no Curso de Teologia, acaba por tirar o diploma do Curso de Direito em Coimbra. Ingressou, de seguida, no funcionalismo público e tornou-se mais tarde, episodicamente, político, mas veio a ganhar fama como escritor.
Alcançou grande notoriedade pública como poeta que instigou o ódio antimonárquico e anticlerical, tendo potenciado o ambiente revolucionário que desembocou na implantação da República em 5 de Outubro de 1910. Em Coimbra, no eclético ambiente das tertúlias académicas alargou a sua mundividência, integrando o grupo de intelectuais da Geração de 70[3] que ficou conhecido como “Vencidos da Vida”[4]. Neste viçoso ambiente, da intelectualidade Coimbrã, cedo começou afirmar-se como um promissor poeta e como um encarniçado Republicano.
Em 1873 escreveu um poema de elogio à República Espanhola denominado “À Espanha livre”. Na sequência do Ultimato inglês, de 11 de Janeiro de 1890, encolerizado com a cedência da Monarquia portuguesa aos interesses ingleses que abortaram o sonhado projecto colonial do mapa cor-de-rosa de unir os territórios da costa ocidental de Angola à contra-costa Moçambicana, publicou o opúsculo “Finis Patriae” (1890) que pela popularidade que alcançou exacerbou a descrença popular nas instituições da Monarquia Constitucional. Em reconhecimento dos seus serviços, em prol do ideal Republicano, foi nomeado em 1910 Ministro Plenipotenciário da República Portuguesa na Confederação Suíça, função que ocupou até 1914.
Alcançou um extraordinário êxito literário com o poema “A morte de D. João” (1874) que foi alvo de apreciação crítica por parte de grandes escritores como Joaquim Pedro de Oliveira Martins ou Camilo Castelo Branco. Tornou-se tradutor dos contos infantis de Hans Christian Anderson, que certamente terá influenciado a sua escrita fortemente sentimental. Com a obra, satírica e lírica, intitulada “A velhice do Padre Eterno” (1885) abriu uma acesa polémica anticlerical que enraiveceu as hostes monárquicas e eclesiásticas para gáudio dos Republicanos que o ergueram em arauto da sua Causa.
Em 1892 publicou o livro “Os Simples” em que exaltou os mais desfavorecidos da sociedade, as pessoas humildes e os camponeses, numa cadência lírica em homenagem aos corações mais genuínos dos seus conterrâneos Freixenistas que viviam da lavoura. O seu prestígio literário rompeu fronteiras, pois algumas das suas obras encontram-se traduzidas em diversas línguas. No momento em que celebramos o Centenário da implantação da República não quis deixar de evocar um dos grandes vultos da Cultura Portuguesa que mais contribuiu para a galvanização popular a favor do regime Republicano na transição do século XIX para o XX.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Ana Maria Martins, “Abílio Manuel de Guerra Junqueiro”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol. I, Lisboa, Selecções do Reader’s Digest, 1990, pp. 302-303.
[2] A sobrinha do poeta, Margarida Augusta Guerra Junqueiro casou-se em 1935 com o Almirante Manuel Maria Sarmento Rodrigues. Vide Nuno Sotto Mayor Quaresma Mendes Ferrão, Aspectos da vida e obra do Almirante Sarmento Rodrigues (1899-1979), Mirandela, Edição Câmara Municipal de Freixo de Espada-à-Cinta, 1999, p. 28.
[3] João Medina, Eça de Queiroz e a geração de 70, Lisboa, Moraes Editores, 1980.
[4] Este grupo de promissores intelectuais reunia José Duarte Ramalho Ortigão, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, Abílio Guerra Junqueiro, Luís de Soveral, Francisco Manuel de Melo Breyner, Carlos Lobo de Ávila, Eça de Queirós, entre outros.