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Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão

Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.

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20 ANOS DA EXPO 98 (1998-2018) E OS 78 ANOS DA EXPOSIÇÃO DO MUNDO PORTUGUÊS (1940-2018)

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A 23 de maio de 2018 assinalam-se os 20 anos sobre a realização da Expo 98, certame internacional no contexto inicial da globalização, em que se celebrava o V Centenário da descoberta do caminho marítimo para a Índia. Este evento motivou o nome atribuído à segunda ponte sobre o Tejo da cidade de Lisboa, com o navegador responsável pelo feito – Vasco da Gama e que foi inspirado - e muito melhor planeado - na Expo Sevilha 92, que registou publicamente a descoberta das Antilhas por Cristovão Colombo.

 

A Expo 98 veio a modernizar uma zona ribeirinha de Lisboa marcada pela paisagem industrial, permitindo aos cidadãos uma maior proximidade vivencial com o rio Tejo. António Mega Ferreira e Vasco Graça Moura idealizaram este certame internacional, que renovou a paisagem urbanística de Lisboa. De uma cidade de traçado e de perfil tradicional em termos urbanísticos e arquitectónicos, não obstante as erupções modernistas de Porfírio Pardal Monteiro, transformou-se numa cidade com um pólo muito modernista, que veio a designar-se de Parque das Nações.

 

O crescimento da cidade de Lisboa, em direção ao interior, desde o início do século XX, com o surgimento das Avenidas Novas durante o Estado Novo e com bairros novos no fim do regime da ditadura e no início do regime democrático levou os lisboetas, alfacinhas, a virarem as costas ao rio.

 

Contudo, Lisboa tem duas faces inequívocas: a zona litoral ligada ao Império Colonial Português e à expansão marítima e a zona interior, que confina com a “região saloia”, hoje transformada em área metropolitana da capital com cidades-satélite e localidades autênticos dormitórios, em que as casas se debruçam sobre os campos, aproveitando o facto para fazerem pequenos quintais de produtos hortícolas, como bem o frisou o arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles na sua definição da identidade alfacinha da cidade de Lisboa.

 

Tal como a Expo 98 possibilitou a renovação da área urbana na zona oriental de Lisboa, também em 1940 a zona de Belém, que se encontrava bem degradada com um hediondo parque industrial, foi nobilitada pela realização de arranjos urbanísticos no seio da Exposição do Mundo Português.

 

A exposição internacional do fim do século XX foi o motivo para a renovação urbanística deste espaço da capital portuguesa, tendo tirado partido dos ensinamentos advindos da Expo de Sevilha de 1992, em que o recinto de exposições se volveu num espaço fantasma, abondonado ao vento e aos insectos. 

 

Na Expo 98 edificaram-se pavilhões efémeros de vários países, mas também foram construídos vários edifícios perduráveis como o antigamente denominado Pavilhão Atlântico, o Pavilhão de Portugal ou o Oceanário, entre outros.

 

Na Exposição do Mundo Português a maioria dos pavilhões, como são os casos do Pavilhão da Formação e Conquista, do Pavilhão da Independência e do Pavilhão dos Descobrimentos, foram construídos em materiais efémeros e apenas alguns persistem como o denominado Museu de Arte Popular e o Padrão dos Descobrimentos, este edificado de forma definitiva em 1960 para assinalar o V Centenário da morte do Infante D. Henrique e a própria Praça do Império.

 

A Exposição do Mundo Português, que foi inaugurada a 23 de junho de 1940, em pleno contexto da 2ª guerra mundial com a Europa sob o jugo nazi, decorreu no contexto nacionalista do regime de António de Oliveira Salazar, celebrando, concomitantemente, as datas de 1140 e de 1640 ligadas à independência portuguesa do reino e à restauração da soberania nacional após o domínio Filipino. O espaço industrial de Belém foi transformado em espaço urbano, que com o decorrer das décadas do século XX se assumiu como um espaço nobre de manifestações públicas e, igualmente, um lugar privilegiado do turismo cultural.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

 

 

A FUNÇÃO SOCIAL DOS INTELECTUAIS NA ATUALIDADE – ABORDANDO A TESE IDEOLÓGICA DE VASCO GRAÇA MOURA

 

“(…) O discurso que confunde globalização com a extinção das diversidades humanas e culturais, é um método injusto e frustrado de tentar colonizar os espíritos em detrimento da necessária solidariedade plural. (…) de acordo com a tese de Herbert Marcuse, houve uma instrumentalização do saber e da técnica, o que levou Jurgen Habermas a publicar o útil ensaio sobre Técnica e Ciência como Ideologia (1968). (…) tenho concluído que o Norte do Globo, que se definiu como afluente, consumista, e até unidimensional, derivou para um credo de mercado, hierarquizou os saberes em termos de encontrar para essa economia um paradigma de legitimação, limitou profundamente o papel, que fora dominante, das faculdades de humanidades, colocou o preço das coisas no valor das coisas, e desenvolveu, ao lado da ameaça das armas de destruição maciça, a ameaça igual entre sociedades ricas e sociedades pobres. (…)”

 

Adriano Moreira, “Discurso de Doutoramento Honoris Causa na Universidade do Mindelo – Cabo Verde”, in Nova Águia, nº 9, Sintra, Editora Zéfiro, 2012, pp. 216, 217 e 218.

 

“(…) Os intelectuais, no sentido elitista que a expressão teve em França e no século XX, estão em vias de extinção. (…) Há uma interacção entre a ideologia política, a tecnocracia, a formação crítica e o imediatismo impaciente que distorce a função intelectual. (…) A crise das elites não é um fenómeno português. Generalizou-se pela excessiva especialização das formações universitárias, pela empresarialização obsessiva da instituição universitária, pelo postergamento das humanidades e da cultura geral no sentido nobre do termo. Deixou de haver elites no sentido humanístico e cívico para haver especialistas que só vêm o seu próprio quintal e nem sempre…Portugal, se não tiver cuidado, para lá caminha. (…)”

 

“Vasco Graça Moura ‘Os intelectuais estão em vias de extinção – entrevista de Margarida Bon de Sousa a Vasco Graça Moura”, i (jornal), 17 de agosto de 2013, p. 25

 

O intelectual é, por definição, “a pessoa que cultiva preferencialmente as coisas do espírito, do entendimento”[1] que valoriza o espírito crítico na construção de um conhecimento global. Como alguns exemplos de intelectuais, de grande relevo, da atualidade refiro Adriano Moreira, Edgar Morin, Eduardo Lourenço, José Mattoso, José Gil, Boaventura Sousa Santos, Noam Chomsky, Manuel Clemente, António Lobo Antunes, Jurgen Habermas, etc, além de uma nova geração de discípulos influenciada por estes mestres do pensamento sistémico.  

 

O episódio histórico de Alfred Dreyfus, na viragem do século XIX para o XX, foi um escândalo que agitou a sociedade francesa devido à errada condenação pelo sistema judicial deste militar que, sendo inocente, foi considerado traidor por espionagem internacional. Os eminentes escritores Émile Zola e Anatole France, secundados por diversos outros intelectuais, defenderam a inocência deste militar e assumiram a missão de desmascarar o preconceito racial existente contra os judeus e a verdade dos factos. Portanto, os intelectuais têm esta missão de intervenção social em defesa de ideais e de valores julgados sacrossantos face aos princípios universais dos Direitos Humanos.

 

A ideologia neoliberal, do fim século XX e início do século XXI, imposta pelos poderes estabelecidos pelo sistema da Globalização Financeira, que esquece o Desenvolvimento Integral do Homem e o Desenvolvimento Sustentável do planeta está a tentar “colonizar” a mentalidade dos cidadãos das democracias enfraquecidas neste contexto mundial, na sábia conceptualização de Adriano Moreira.


A crise das Humanidades[2], pela desvalorização estabelecida pelo pragmatismo reinante, que deu azo à excessiva valorização das Ciências Exactas, em infeliz detrimento das Ciências Humanas dada a inviabilidade da sua imediata aplicabilidade prática, originou um sistema tecnocrático que tem irradiado uma crescente desumanidade pela reconhecida incompreensão da complexidade das problemáticas humanas.

 

Por conseguinte, tudo o que não esteja articulado com a aplicabilidade imediata e com o valor de mercado perde um referencial de importância estratégica e, consequentemente, os currículos educativos dos sistemas de ensino fazem perder peso a essas disciplinas consideradas pouco úteis para o funcionamento material e prático das sociedades contemporâneas.


Este caminho encetado pelo pragmatismo niilista, esvaziando os significados simbólicos inerentes ao espírito humano, tem potenciado através dos meandros da financeirização da economia uma crescente subjugação dos cidadãos e das democracias aos preponderantes interesses financeiros.  

 

Nestas sociedades contemporâneas, exponencialmente tecnocráticas em que a inteligência técnica é sobrevalorizada em relação à inteligência humanística, os intelectuais constituem, ainda assim, o autêntico baluarte dos valores e dos ideais humanísticos que é necessário preservar para garantir níveis de bem-estar que compaginem o desenvolvimento material e espiritual.


Com efeito, a sensibilidade associada ao entendimento dota os intelectuais de uma percepção mais apurada dos valores profundos dos seres humanos (a verdade, a justiça, a paz, o amor, a beleza, etc) e dos ideais que elevam o Homem acima da brutalidade da Natureza. Mais do que nunca, a função social dos intelectuais assume-se como imprescindível ao equilíbrio Ecológico e Ético do futuro da Humanidade numa Era em que os valores são menosprezados pelos verdadeiros detentores dos poderes económico-financeiros.

 

A tese ideológica de Vasco Graça Moura de que “os intelectuais estão em vias de extinção”, apresentada em entrevista ao jornal i em agosto de 2013[3], é resultante do seu desencanto com a importância que os intelectuais têm no mundo atual e com a sua própria opção ideológica favorável à minimização do Estado no plano Cultural.


Manuela Canavilhas, por exemplo, no jornal das 9, do dia 29 de agosto de 2013, da SIC Notícias considerou, em antítese, que o Estado no caso da Exposição da artista Joana Vasconcelos deveria ter assumido este projecto estratégico de investir para colher os previsíveis lucros, dado o êxito internacional da artista no Palácio de Versalhes. Por oposição, Vasco Graça Moura assumiu uma posição de resignação perante a realidade incontornável de aceitação incondicional dos critérios dos mercados e menorizou no seu pensamento, concomitantemente, o papel das redes sociais e dos opinion makers nos meios de comunicação social. Revelou, assim, um completo desencanto e resignação como intelectual perante a ideologia dominante e, deste modo, limitou o seu próprio poder de intervenção social como membro da intelectualidade europeia.

 

Em síntese, é imperioso lutar contra a rendição das elites intelectuais ao poder tecnocrático, sob o risco da inexistência de visões amplas da vida humana nas sociedades pseudodesenvolvidas aprofundar a desumanidade das instituições e das estruturas internacionais. Por esta razão, constitui um imperativo Ético a intervenção social dos intelectuais na presente conjuntura, desta Globalização desregulada, que nos submerge numa exasperante apatia cívica.

 


[1] “Intelectual”, in Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa, Editora Verbo, 2001, p. 2129.

[2] Adriano Moreira, “Discurso de Doutoramento Honoris Causa na Universidade do Mindelo – Cabo Verde”, in Nova Águia, nº 9, Sintra, Editora Zéfiro, 2012, pp. 215-218.

[3] “Vasco Graça Moura ‘Os intelectuais estão em vias de extinção – entrevista de Margarida Bon de Sousa a Vasco Graça Moura”, i (jornal), 17 de agosto de 2013, p. 25.


Nuno Sotto Mayor Ferrão

O ESTADO DO ENSINO PÚBLICO, BÁSICO E SECUNDÁRIO, EM PORTUGAL: CONTRADIÇÕES; HESITAÇÕES E AMBIGUIDADES (1970-2009)

Ericeira, 17 de Agosto de 2009
“O estado do Ensino Público, Básico e Secundário, em Portugal: contradições, hesitações e ambiguidades (1970 - 2009)”

 
          É meu intuito traçar uma panorâmica sintética do estado do ensino público, básico e secundário, em Portugal, dos anos 70 aos nossos dias, com base numa reflexão, simultaneamente, empírica e teórica, sem cair numa rudimentar visão sincrética. Esta temática tem sido amplamente debatida, sem que haja, todavia, uma compreensão global do estado da problemática, porquanto a pluralidade de opiniões e os erráticos palpites de numerosos leigos, não tem favorecido a clarificação das questões basilares, entre os especialistas e junto da opinião pública, e também a elucidação das opções em aberto no actual sistema de ensino português.  
 
          O primeiro grande impulso histórico transformador foi dado por José Veiga Simão, Ministro da Educação Nacional durante parte do Governo de Marcelo Caetano (1970-1974), que estabelecendo a necessidade de democratizar o ensino no país abriu a porta à massificação do ensino obrigatório, num tempo de significativo analfabetismo popular. Por outro lado, o ideal educativo do desenvolvimento integral dos indivíduos, que Sua Santidade, o Sumo Pontífice, Bento XVI nos vem recordar, numa época excessivamente centrada nas competências competitivas, na sua mais recente e notável encíclica “Caridade na Verdade”[1], a par da metodologia pedagógica activa introduzida pela “Escola Nova”[2], que recentrou o ensino português e europeu nas aprendizagens dos alunos, inverteram o paradigma pedagógico tradicional até então dominante[3]. 
 
          Este novo paradigma pedagógico, implementado no contexto revolucionário da esperança libertadora do PREC, pecou pelo excesso da viragem institucional nas escolas do país, ao ponto da anarquia pedagógica contaminar o sistema de ensino nos meados dos anos 70, pois, em boa verdade, o eixo estruturante da dinâmica educativa deve assentar, como bem percepciona a sensata e actual linguagem docente, no binómio ensino/aprendizagem. 
 
          Neste complexo quadro histórico, de transmutação do sistema de ensino, estas variáveis alargaram o espaço de competências dos professores[4], que, dessa forma, assistiram à mudança de paradigma pedagógico, em função da transição de regime político, sem que tivessem tempo para se adaptarem. Daí que, como atentos observadores, não estranhemos a confusão revolucionária que contaminou o sistema de ensino, nos meados dos anos 70, colocando em causa hierarquias escolares e metodologias pedagógicas tradicionais.
 
          Assim, os professores do novo regime democrático passaram a ter que ensinar a aprender, que motivar para as diversas aprendizagens, que fomentar a formação de competências sociais e cívicas, para além de ensinarem as matérias programáticas, que já anteriormente lhes eram incumbidas. Em suma, os docentes passaram a ter que desenvolver mais tarefas e de maior complexidade, num “estalar de dedos”, fazendo desembocar o sistema, imprudentemente, num caótico estado qualitativo… 
 
          Em concomitância, emergiu a necessidade de massificar o ensino público, o que obrigou o sistema a alargar o número de professores ao serviço do Ministério da Educação, tornando, assim, as exigências doutrinárias, proclamadas pelas Ciências Psico-Pedagógicas e pelas autoridades políticas, inviáveis de serem cumpridas no curto e médio prazos. Houve, com efeito, uma falta de razoabilidade nos organismos governativos que tutelaram o ensino público[5].
 
          Neste quadro geral de pressupostos educativos, a finalidade do desenvolvimento integral dos alunos implicou a consecução da acção pedagógica ao nível do Saber, do Saber-Fazer e do Saber-Estar, o que tornou as tarefas docentes mais complexas e mais difíceis de serem aferidas em termos da qualidade dos desempenhos profissionais. Aliás, este requisito de complexidade da acção educativa entra, ironicamente, em profunda contradição com os “rankings das escolas secundárias”, impostos pela tutela, que pretendem classificar, de forma perfeitamente adulterada, as escolas pelos resultados cognitivos dos seus alunos. 
 
          Deste modo, este mecanismo classificativo de escolas secundárias é uma autêntica aberração à luz da natureza humana e do actual conceito psicológico da inteligência emocional, de Daniel Goleman[6] e de António Damásio, ou, por outras palavras, em lúcida linguagem popular diríamos que “não joga a bota com a perdigota”, porque se assume que o sistema de ensino público deve pugnar por uma educação global e, na prática, a tutela administrativa estabelece uma lista ordenada decrescente das melhores escolas secundárias do país com base em resultados cognitivos…
 
          É certo que este mecanismo classificativo do sistema de ensino trata o lado mais fácil da avaliação educativa, mas a educação por excelência só é possível de ser qualificada, e não apenas de ser quantificada e, por isso, os “rankings das escolas” são simplesmente uma aberração pedagógica de transviadas orientações administrativas.
 
          Há, pois, vários problemas estruturais, do ensino, básico e secundário, em Portugal, que estão, sobejamente, diagnosticados pelos sociólogos da educação, advindos da estruturação formulada no pós-25 de Abril em função dos ideais libertários. Com efeito, conjugaram-se, desde essa altura, vários factores históricos que contribuem para a fraca eficácia do actual sistema educativo português: 1. os pais, muitas vezes, demitem-se dos seus papéis educativos; 2. as reformas de política educativa têm sido, quase, sempre de alcance conjuntural; 3. as modernas Pedagogias têm enfatizado em excesso os aspectos folclóricos da educação[7]; 4. a pressão das estatísticas nacionais e internacionais têm dado azo ao facilitismo pedagógico e, finalmente; 5. as práticas docentes têm sido, muitas vezes, resistentes às mudanças. 
 
          Em resumo, este caldo de inércia e de desnorte social, político, pedagógico e profissional não tem favorecido a melhoria dos padrões de ensino em Portugal, porque como tenho, sempre, sustentado existe um conjunto de variáveis sistémicas que são co-responsáveis pelo estado do ensino em Portugal.
 
          Por conseguinte, só uma reforma estrutural da educação que seja mobilizadora de todos os agentes envolvidos no sistema de ensino público português poderá conseguir gerar as harmoniosas sinergias para uma educação globalizante e, efectivamente, de qualidade. Por esta razão, só com a co-responsabilização e a convicção profunda de pais, de agentes políticos, de cientistas sociais, de meios de comunicação social, de professores e de educadores, munidos de boa vontade e de bom senso, se poderá implementar uma verdadeira reforma do ensino público português, de nível básico e secundário. 
 
          Na realidade, um dos principais problemas que contribui para a instabilidade do sistema em Portugal é a falta de autoridade dos professores que se alicerça, em parte, na regulamentação legal[8], hiper-protectora dos direitos dos alunos que visa o programático objectivo de lutar contra o absentismo escolar dos estudantes do ensino básico obrigatório.
 
          Nesta perspectiva, não há uma proporcionalidade de meios e de fins, porquanto embora esta finalidade de política educativa seja louvável, os mecanismos empregues através dos diversos Estatutos do Aluno do Ensino Básico e Secundário, promulgados por vários Governos, têm conduzido à permissividade disciplinar das escolas, desembocando, pois, esta situação na progressiva perda de autoridade dos professores. Daniel Sampaio, perito nesta problemática, assume outras variáveis que condicionam este indesejável fenómeno, mas, do meu ponto de vista, estas circunstâncias de âmbito político-legislativo não são menosprezáveis.
 
          Outro problema, do sistema de ensino português, de significativo peso é a avaliação docente, alterada durante o Governo de José Sócrates, que tem um grau elevado de subjectividade epistemológica como, aliás, nos demonstra o facto dos modelos avaliativos docentes variarem de um país para outro. Não obstante, importa reconhecer que a avaliação docente influencia a qualidade do sistema de ensino, no entanto uma avaliação de desempenho docente basicamente quantitativa e burocrática, como no presente modelo promulgado pela tutela, não é compaginável com uma educação global. É nesta incomensurável contradição que assenta o drama sistémico com que os actuais políticos tecnocráticos da “5 de Outubro” (Maria de Lurdes Rodrigues, Valter Lemos e Jorge Pedreira), se debatem.
 
          Na verdade, para a consecução de uma educação global, integral dos alunos, são necessárias a motivação e a mobilização de professores com sensibilidade humanista, e não de professores-burocratas com mera sensibilidade técnica, para que os docentes possam ser avaliados de forma qualitativa e formativa em função de uma pluralidade de perfis pedagógicos. Caso contrário, em face do presente rumo da tutela, estaremos a criar perversamente escolas com modelos empresariais de objectivos produtivos, com funcionamentos pouco democráticos e muito afastadas do modelo pedagógico globalizante que comporta, inevitavelmente, a dimensão criativa dos educadores e dos educandos[9].
 
          Finalmente, outro “handicap” que se manifesta no sistema de ensino em Portugal é o fenómeno da iliteracia. Em boa parte, a iliteracia estudantil deriva das folclóricas pedagogias modernas e da diminuição do grau de exigência dos docentes para efeitos estatísticos. Este fenómeno traduz-se no facto dos estudantes saberem ler de forma literal, mas, na prática, serem incapazes de interpretar e compreender questões, textos, gráficos, etc. Ou seja, os alunos do ensino básico e secundário sofrem de uma escolarização pouco alfabetizada, como bem destacou o escritor Vasco Graça Moura no que concerne ao ensino da língua portuguesa e ao conhecimento da literatura nacional em função da fasquia definida nos programas do ensino secundário desta disciplina.
 
          Em conclusão, para se superar estas contradições, hesitações e ambiguidades do sistema de ensino em Portugal, que se eternizam no regime democrático, afigura-se-nos fundamental que haja um amplo debate de especialistas da educação, de cientistas e de pedagogos, e que todos os agentes envolvidos no processo educativo se co-responsabilizem pelo cumprimento dos seus deveres, no respeito pela diferença de funções e pela pluralidade de perfis pedagógicos, no sentido de formular um sistema minimamente coerente de ensino, não coercivo, em que todos os intervenientes se auxiliem e se esmerem. Porquanto, de contrário, “sobe à tona”, inúmeras vezes, a tendência de “passar a batata quente” para o vizinho da cadeia educativa[10]!


          Em suma, diremos que só um consenso espontâneo de especialistas conjugado com a boa vontade, o bom senso e a sensibilidade humanista, como nos recomenda Sua Santidade Bento XVI na sua mais recente encíclica[11], de pais, de professores, de cientistas, de políticos e de cidadãos permitirá operacionalizar uma, efectiva, melhoria do sistema de ensino nacional, de forma a afinar os tons melódicos destes diversos agentes educativos, pois sem este requisito primordial a harmonia sistémica do ensino nacional não será viável.
 
Nuno Sotto Mayor Ferrão
 

 


[1] “(…) A fidelidade à pessoa humana exige a fidelidade à verdade, a única que é garantia de liberdade ( Cf. Jo 8,32 ) e da possibilidade de um desenvolvimento humano integral. (…)” in Bento XVI, Caridade na Verdade, Prior Velho, Edições Paulinas, 2009, p. 14.
[2] A Escola Nova, ou Escola Activa, que se desenvolveu na Europa e na América na primeira metade do século XX, só teve efectiva aplicação em Portugal no regime democrático pós-25 de Abril dado que a visão tradicionalista da Educação do Estado Salazarista não permitiu grandes inovações no ensino público.
[3] O paradigma pedagógico dominante desde a época Napoleónica estava centrado no saber do professor e desprezavam-se as aprendizagens afectivas e comportamentais dos alunos.
[4] Os professores neste tempo de mudança deixaram de ter por missão exclusiva instruir e passaram a ter que instruir e educar os alunos e, deste modo, deixaram de se preocupar apenas com o ensino e foram arremessados para a dupla função de ensinar e de fazer aprender. 
[5] Daniel Goleman, Inteligência Emocional, Lisboa, Editora Temas e Debates, 2002.
[6] Gabriel Mithá Ribeiro, A pedagogia da avestruz: testemunho de um professor, Lisboa, Gradiva, 2004.
[7] Estatuto do Aluno do Ensino Básico e Secundário definido pela Lei nº 3/2008, de 18 de Janeiro.
[8] Vide a excelente análise de um dos mais conceituados pensadores internacionais que nos fala da necessidade da criatividade no trabalho e no ensino: “(…) É inevitável, assim, que a avaliação, (…) tenda a transformar todas as relações humanas em relações funcionais de poder. O preço a pagar por esta tecnologia biopolítica é, evidentemente, (…) a diminuição brutal dos possíveis, a restrição do aleatório (…) Como estes serão transformados em funções – a famosa ‘criatividade’ no trabalho, nas empresas, nos serviços, na publicidade, nos média -, os próprios factores aparentemente incodificáveis serão avaliados, quantificados, normalizados. (…) in José Gil, Em busca da identidade- o desnorte, Lisboa, Relógio d’ Água, 2009, pp. 52-53.
[9] Por exemplo, a “passagem da batata quente” fez-se, no sistema, da seguinte forma: o pai responsabiliza o professor do insucesso do seu filho, o professor responsabiliza o pai pelo seu pouco envolvimento na escola, o político responsabiliza o professor pela sua inércia pedagógica, etc. E, deste modo, nada se resolve.
[10] Bento XVI, Ibidem, p. 14.

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