Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
A consciência moral, defendida pela Igreja Católica, implica o ajuizamento pessoal na vida quotidiana da prática do bem e do impedimento do mal. Para se evitar juízos erróneos é importante a educação cristã para o bem, a assimilação das mensagens evangélicas e dos ensinamentos da Igreja Católica, vulgarmente conhecida por catequese. Também auxiliam bastante a formação da consciência moral: a oração, o exame interno de consciência, a confiança na intercessão do Espírito Santo, o conselho de pessoas sábias e um coração compadecido com o sofrimento dos outros seres humanos e animais.
No documento pastoral Gaudium et Spes[1] do Concílio Vaticano II, de 7 de dezembro de 1965, valoriza-se uma consciência cristológica, que deve ser amadurecida para que o Homem possa moldar a sua vida e os seus comportamentos por essas “leis interiores” e não por “leis exteriores”[2]. A Igreja Católica deixou, desde os finais dos anos 60, de ser diretiva e passou a conceder autonomia ao Homem para descobrir o mundo e se descobrir como pessoa, no respeito pelos valores cristãos do Evangelho.
De facto, esta nova teologia moral, ajustada ao cidadão urbano, singrou na reunião conciliar, em função da rutura que os padres conseguiram operar na Igreja Católica, perante as grandes transformações do mundo contemporâneo – aggiornamento. Assim, o magistério da Igreja deixou de depender do padrão autoritário e passou a sustentar o magistério da persuasão, deixando espaço para o homem se descobrir como pessoa, no respeito pelos valores cristãos do Evangelho.
Uma investigadora portuguesa salienta-nos este aspeto: “(...) O número quarenta e seis da ‘Gaudiumet Spes’ afirma que a solução dos problemas morais deve ser procurado à luz do Evangelho e da experiência humana.(...) A moral do Vaticano II é a do homem sacramentalmente transformado em Cristo e inserido na Igreja. Isto leva a que se dê um espaço e um papel ativo a todos, à sua responsabilidade e à reciprocidade das consciências (...) Esta perspetiva é reforçada na ‘Gaudium et Spes’; é o Espírito Santo quem permite realizar a leitura da realidade, de modo a ser capaz de fazer emergir os sinais da presença de Deus na história, para se chegar a soluções plenamente humanas. (...)”[3].
Aliás, Aristóteles, no século IV a. C., definiu um caminho ético para a vida dos seus concidadãos na sua obra Ética a Nicómaco[4]. Considerou o filósofo que a felicidade só podia ser alcançada através de uma vida virtuosa e não através da fruição dos prazeres, das riquezas e das honras. A prática da virtude seria atingida através do exercício continuado da prudência dos indivíduos.
Para o Homem contemporâneo enfrentar a crise de valores necessita ancorar-se nas virtudes clássicas, quer tealogais, quer cardeais. Nas virtudes tealogais, destacam-se a Fé nos processos transcendentes de diálogo com Deus; a Esperança num futuro melhor terreno e celeste e a Caridade na propensão para a ajuda aos seres humanos mais próximos.
As virtudes cardeais como a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança são essenciais aos comportamentos cívicos. A prudência manifesta-se na razão para entender a forma cautelosa de atingir o bem; a fortaleza para se permanecer firme nas dificuldades, naquilo que hoje é conhecido por resiliência (particularmente importante nesta fase de enfrentamento da pandemia de COVID-19) e persistência; a justiça como vontade de dar aos outros homens o que lhes é devido; a temperança que modera os prazeres e os instintos para garantir a expressão da vontade moral.
Com efeito, só o cultivo das virtudes tealogais e cardeais permitirá ao Homem enfrentar a crise de valores marcada pelo relativismo, pelo individualismo, pelo egoísmo, pelo hedonismo, pelo materialismo, pelo secularismo, pelo indiferentismo, pela violência gratuita que se afiguram como vícios perniciosos da contemporaneidade, dado que estão, desde o século XIX, a corroer a coesão das sociedades ocidentais. Apenas pela prática destas virtudes tealogais e cardeais será possível vencer esses vícios ominosos, bem como pela abertura ao outro e ao seu bem mediante o amor fraterno, de que o Papa Francisco nos procura interpelar, através da sua última Carta Encíclica “Fratelli Tutti”[5].
Oiçamos as palavras avisadas do Papa Francisco nesta Encíclica: “(...) é buscar aquilo que vale mais, o melhor para os outros: o seu amadurecimento, o seu crescimento numa vida saudável, o cultivo dos valores e não só o bem-estar material. No latim, há um termo semelhante: bene-volentia, isto é, a atitude de querer o bem do outro. É um forte desejo do bem, uma inclinação para tudo o que seja bom e exímio, que impele a encher a vida dos outros com coisas belas, sublimes, edificantes. (…) volto a destacar que «vivemos já muito tempo na degradação moral, baldando-nos à ética, à bondade, à fé, à honestidade; chegou o momento de reconhecer que esta alegre superficialidade de pouco nos serviu. Uma tal destruição de todo o fundamento da vida social acaba por colocar-nos uns contra os outros na defesa dos próprios interesses».[86] Voltemos a promover o bem, para nós mesmos e para toda a humanidade, e assim caminharemos juntos para um crescimento genuíno e integral. Cada sociedade precisa de garantir a transmissão dos valores (...)”[6]
Estas orientações morais são extremamente importantes, para enfrentarmos os desafios deste mundo sem bússola ética[7], retomando o título de um artigo de Adriano Moreira. Na verdade, o mundo tem vivido um abismo ético, entre 1965 e 2020. Entre 1965 e 1991, manifestou-se uma fase da guerra ideológica conhecida por guerra fria, entre o bloco capitalista e o comunista, num enfrentamento que via o adversário como a figuração do mal.
A globalização capitalista, vitoriosa no fim do século XX, conduziu à separação entre a economia e as finanças, potenciando a corrupção com o mercado de capitais a recorrerem frequentemente aos paraísos fiscais, fugindo à tributação legal dos Estados, fazendo aumentar as desigualdades sociais entre países e no seio destes. O terrorismo global espraiou-se pela Civilização Ocidental, desde o atentado de 11 de setembro de 2001. Nos tempos mais recentes emergiu a malévola guerra comercial EUA-China, que o presidente Donald Trump acicatou.
A segunda década do século XXI tem sido caraterizada pela decadência das democracias ocidentais motivada pelos partidos populistas, como o Vox em Espanha ou o Chega em Portugal, e pelas fake news de que os EUA têm sido muito férteis nos últimos tempos. Estes movimentos contra os sistemas vigentes estão a crescer, devido à grande iletracia política e cívica dos cidadãos. Por outro lado, esta conjuntura sem norte ético está marcada pela emergência de novos nacionalismos, com as políticas proteccionistas de Donald Trump e de Boris Jonhson e pelas pretensões independentistas da Catalunha e da Escócia.
O desrespeito humano, mediante um processo de desenvolvimento não sustentável das sociedades urbanas e industrializadas, pela natureza-mãe tem originado um crescimento veloz das alterações climáticas e potenciado os fenómenos extremos de secas, de intempéries, de furacões, que assolam a nossa casa comum, planeta único em que vivemos. Concomitantemente, por falta de uma consciência moral generalizada tem-se verificado uma persistência na violação dos Direitos Humanos, em várias partes do mundo. Perante estas inúmeras dificuldades éticas do nosso mundo, importava reforçar o papel interventivo da Organização das Nações Unidas, mas infelizmente os egoísmos nacionalistas estão a barrar os esforços dos últimos Secretários-Gerais desta organização supranacional.
Em suma, em 2020, o mundo confrontou-se com uma grave pandemia – designada COVID-19 -, em que não se conhecem ainda as verdadeiras razões do seu início e a autêntica responsabilidade humana, mas a destruição de muitos ecossistemas e a extinção de muitas espécies animais e vegetais constituem um mau prenúncio para as próximas décadas, caso não se arrepie caminho para evitar a catastrófe global sem retorno. Daí a necessidade de educar para comportamentos cívicos, mediante a formação de consciências morais, que acautelem a prática de uma cidadania das virtudes para o bem-estar de todos, a harmonia geral, a paz social e para a derrota dos populismos, dos negacionismos e dos egoísmos atrozes.
[2] Maria das Dores de Brito Rodrigues, “A teologia moral no Concílio Vaticano II”, in Justa Autonomia – A modernidade da Constituição pastoral 'Gaudium et Spes”, Dissertação para a obtenção do grau de Mestre, Lisboa, Faculdade de Teologia da Universidade Católica, 2003, pp. 104-112.
No contexto histórico da crise de valores, que tem perpassado as nossas sociedades, desde o início do século XX, tal como explanei em artigo da revista Brotéria[1], e face aos desafios da globalização e da rápida transformação que tem gerado novas desigualdades sociais no mundo e no país, compreendemos plenamente a urgência da implementação da Estratégia Nacional da Educação para a Cidadania, mas, paradoxalmente, temos de perceber que as mudanças das práticas pedagógicas, sendo fundamentais, terão de ser paulatinas para serem consistentes.
Nas sociedades contemporâneas dois vetores têm gerado crescentes faltas de civismo bem visíveis nos cidadãos e nos nossos jovens, naquilo a que o Professor José Filipe Teles de Matos chama “déficit cívico”: a importância desmesurada dada aos direitos em detrimento dos deveres, quando partindo do conceito implícito de cidadania de Turner (1993) estes terão de andar a par e a crescente reivindicação de que todos os indivíduos são iguais na sociedade.
Também hoje, no seio das concorrenciais sociedades globalizadas manietadas por nefastas políticas neoliberais, os valores universais da Solidariedade, da Tolerância, da Participação, da Gratuitidade e do Diálogo permanente estão a ser postos de lado por uma maioria dos cidadãos e, sem isso, a segurança global climática e a paz no mundo encontram-se num risco maior do que nunca. O vício instalado de correr atrás do vil dinheiro em detrimento dos valores está a tornar as sociedades contemporâneas profundamente desumanizadas.
O “déficit cívico” advém da falta de tempo dos pais para educarem os filhos nas nossas sociedades e do facto de muitos pais não se cultivarem nas virtudes (Aristóteles), não se tornando assim modelos de referência. Só derrubando estes muros de egoísmo e dando gratuitamente tempo aos outros é possível cumprir “uma cidadania ativa e altruísta” como nos pede Sua Eminência o Cardeal-Patriarca D. Manuel Clemente.
Num momento em que na democracia portuguesa se revelam elevados níveis de indiferença cívica, com indicadores de mais de 50% de abstencionistas nas eleições legislativas de 2019, cada vez em maior número desde o fim do século XX, a cidadania encontra-se em crise.
No atual quadro local, nacional e global, a cidadania ativa implica uma consciência da complexidade do mundo contemporâneo e a aquisição de competências para o seu entendimento e para a sua participação efetiva. As recomendações da UNESCO de 2015 suscitaram a reintrodução da Educação para a Cidadania nos Currículos nos finais da segunda década do século XXI no nosso país.
Em conformidade com o Desp. N.º 6173/2018, de 10 de Maio, define-se a necessidade das crianças e jovens necessitarem de formação formal para o exercício de condutas cívicas em sociedades ocidentais em que crescem exponencialmente os fenómenos de indiferença perante o próximo, porque urge que os futuros cidadãos saibam com sentido de responsabilidade assumir os seus deveres e reivindicar os seus direitos. Numa sociedade que proclama constitucionalmente o direito de todos a terem uma habitação condigna causa profunda indignação a situação confrangedora dos sem-abrigos, que habitam as cidades de Portugal e muitas cidades das sociedades ocidentais.
Não obstante, a Assembleia Geral da ONU, nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em 1966, tenha pretendido acabar com a pobreza, proteger o ambiente e promover a prosperidade e o bem-estar de todas as pessoas, a verdade é que a sua concretização está muito longe de serem alcançados com a oculta ditadura dos mercados financeiros.
As grandes questões de atualidade do nosso mundo global decorrem da emergência climática, assinalada pela nova Comissão Europeia liderada por Ursula von der Leyen, e pelas crescentes desigualdes sociais dentro dos países e entre países, assim como temos assistido às migrações de populações que atravessam o Mar Mediterrâneo em condições de grande precariedade. Só revalorizando as virtudes cardeais (a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança), não numa perspetiva excessivamente aristotélica, se conseguirá mobilizar os cidadãos para uma participação responsável e gratuita no sentido de formar nos jovens condutas cívicas para responderem a estas problemáticas emergentes.
De quatro concepções de cidadania possíveis (comunitarista, cívico-republicana, neoliberal e socióliberal)[2] perante as problemáticas vigentes nos nossos dias, as duas últimas estão na moda, mas revelam-se ineficazes para enfrentar os ingentes desafios globais que temos pela frente. Talvez, só um compromisso das duas primeiras concepções possa tornar possível romper as redes de indiferentismo social, como nos alerta Sua Santidade o Papa Francisco, e ajudar na promoção dos laços de solidariedade e de responsabilidade coletiva rumo a um mundo mais justo e socialmente mais sustentável.
O mundo que nos rodeia está cada vez mais repleto de multimilionários sem escrúpulos e de pessoas sem abrigo que os Estados demonstram dificuldade em combater, porque as redes de offshores e de planeamentos fiscais das grandes empresas escondem verbas essenciais à missão dos Estados Sociais no ocidente.
Num mundo dominado pela sensação da insegurança coletiva (emergência climática, proliferação das armas nucleares - veja-se o primeiro vídeo deste "post"-, vulnerabilidade dos mercados financeios) só uma participação responsável de tod@s com a luta pela defesa dos nossos direitos e o cumprimento das nossas obrigações e deveres garantirá um ambiente de paz e de tranquilidade na sociedade.
Esta insegurança tem feito crescer as espiritualidades e as terapias orientais (o ioga, o reiki, o budismo, a meditação, o tai chi chuan, o chi kung, as artes marciais, a acupunctura, o shiatsu, a medicina tradicional chinesa, etc)[3] no seio do mundo ocidental, demasiado apegado aos valores do materialismo e do consumismo. Só a segurança dos valores interiores e morais nos podem dar a força para confrontar o turbilhão ciclópico de mudanças e de incertezas que pairam nesta sociedade global do fim da segunda década do século XXI.
Hoje somos confrontados com riscos alargados ligados às crescentes catástrofes naturais, às inúmeras vulnerabilidades económicas e sociais, aos inúmeros conflitos escolares, às manifestações de terrorismo, de forma que unicamente consciências cívicas individuais e coletivas nos podem salvar deste abismo de que já nos falava nos anos 80 do século XX E. F. Shumacher no seu livro Small is beatifull. Dizia-nos ele, num texto de grande atualidade: “(...) De longe bem maior é o capital fornecido pela natureza – e nós nem sequer o reconhecemos como tal. (...) é um erro absurdo e suicida. (...)”[4]
Os Direitos Humanos constituem a base da cidadania, porque só a defesa dos Direitos Humanos internacionalmente consagrados desde o pós-guerra, nas suas diferentes gerações (1ª, 2ª, 3ª e 4ª) pelos Estados de Direito através das Constituições permite a promoção da paz e do bem-estar coletivo, mas perante os desafios e a complexidade da conjuntura internacional global como a guerra comercial EUA-China e o avanço dos populismos no mundo colocam-se obstáculos à universalidade dos Direitos Humanos cada vez mais difíceis de superar.
Daí o papel que as pessoas têm e terão, designadamente os jovens em particular num mundo à beira do abismo. Só as sinergias das Constituições ocidentais, da ação dos cidadãos e dos jovens, que começam a tomar a liderança das questões ambientais globais, das instituições supranacionais da UE à ONU poderão garantir um mundo mais justo. Deste modo, unicamente através da formação dos jovens e dos adultos em questões cívicas será possível tentar romper com as constantes violações com as quais nos confrontamos diariamente no país e no mundo.
O nosso papel de professores, de pais e de cidadãos passa por exemplificar com boas maneiras cívicas e suscitar a informação, a vontade de pesquisa e o espírito crítico, para que os nossos jovens possam ter a consciência e a vontade de agir na sociedade com condutas construtivas afastadas das atitudes violentas que proliferam em meio escolar e em alguns meios sociais.
Como afirmava António Sérgio, em 1915, o papel do professor não se pode resumir a ensinar a resolver problemas de Matemática ou de outra disciplina, mas também a enfrentar os problemas sociais e cívicos para que possam cumprir as suas obrigações de cidadãos[5], quando chegarem à idade adulta, ou como nós diremos no fim da escolaridade obrigatória. Todavia, convém lembrar que as mentalidades mudam muito paulatinamente, como sublinhava com assertividade António Sérgio[6], no início do século XX.