Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Importa situar as formas de escravatura, a expansão marítima quatrocentista/quinhentista e o fim da escravatura em contextos históricos diversos. Temos de compreender os acontecimentos em função das diferentes conjunturas e estruturas históricas.
A antropóloga Raquel Machaqueiro afirma que o aspeto violento da História terá sido a escravatura permitir a expansão marítima portuguesa dos séculos XV e XVI, mas os historiadores e os cientistas sociais não podem ser juízes do passado. Caso contrário, tornar-se-ão meros ativistas com visões parciais da História, pois o historiador no seu ofício deve ser imparcial e não deve proceder a juízos éticos, apenas o poderá fazer como cidadão. Em termos pedagógicos, podemos fazer a distinção entre o mau e o bom em termos éticos, mas separando a análise científica da análise cívica, de forma muito transparente.
Sustenta a investigadora Raquel Machaqueiro que a História das pessoas escravizadas sejam dadas a conhecer nos manuais escolares do ensino pré-universitário. Para isso, é necessário que haja mais investigação histórica sobre esta problemática e que os conselheiros académicos das editoras escolares possam dar sugestões nesse sentido aos autores dos manuais, após existir mais pesquisa nas fontes históricas. Começa a esboçar-se alguma investigação historiográfica a este nível, mas só agora desponta uma bibliografia específica nos escaparates das livrarias.
Se nos manuais, de História do ensino básico, não aparece informação sobre as denúncias dos escravizados à Inquisição, isso deve-se aos autores, aos coordenadores académicos, às Aprendizagens Essenciais definidas pelo Ministério da Educação e não aos professores propriamente ditos.
Convém recordar que a História é uma ciência social e o seu objeto de estudo é dinâmico, em função das novas descobertas dos historiadores resultantes das investigações nas fontes históricas, daí que os manuais escolares sejam revistos periodicamente.
A tese de que as descobertas marítimas se fizeram à custa dos escravizados, da antropóloga Raquel Machaqueiro, é uma interpretação exagerada e ainda não comprovada cientificamente e que pode ser sempre suscetível de contra-argumentação, pelo que só uma investigação historiográfica mais aprofundada e mais significativa poderá comprovar esta hipótese geral de trabalho.
Se as formas de resistência dos escravos perante os seus proprietários, na época das descobertas marítimas quatrocentistas e da expansão quinhentista, não aparecem nos manuais, o ónus desta circunstância deve imputar-se aos responsáveis, já referidos, e não aos professores que estão no terreno pedagógico e são condicionados por múltiplos constrangimentos burocráticos e curriculares, que limitam as suas liberdades criativas como pedagogos.
Não devemos passar da identificação da história da expansão marítima como uma época áurea (desde a historiografia do Estado Novo e, na verdade, desde os ensaios oitocentistas de Joaquim Pedro de Oliveira Martins) para a conceção de uma época maquiavélica (tese de alguns investigadores atuais, mas não de todos os historiadores), pois este maniqueísmo ideológico é especialmente nocivo.
Os estudiosos que encaram com menosprezo a história da expansão marítima portuguesa são antropólogos, historiadores de outras paragens geográficas, investigadores em universidades estrangeiras, pelo que não devemos narrar a história a partir de uma perspetiva gloriosa, nem uma história execrável da aventura marítima dos portugueses, porquanto é preciso uma visão tendencialmente imparcial e global. Daí que alguns portugueses tenham assumido a vontade de edificar um Museu das descobertas marítimas e, de repente, se tenha passado à ideia de fazer um Museu da escravatura, como se a história fosse passível de ser vista de forma maniqueísta, entre a noção do dever de salientar heróis ou vilões.
Os apologistas da tese do lado sombrio, do imperialismo português de Quatrocentos e de Quinhentos, defendem que a aventura da expansão marítima portuguesa só foi possível devido à escravatura, o que é uma explicação bastante simplista que qualquer historiador imparcial, questiona metodologicamente. Aliás, esta perspetiva economicista já tinha sido, em parte estudada, pelo afamado historiador Vitorino Magalhães Godinho, mas, no entanto, enveredar por uma perspetiva tão limitada parece-nos claramente errado do ponto de vista epistemológico.
Asseveram-nos estes estudiosos que o racismo era um projeto político para a conquista das riquezas coloniais, esquecendo-se que por detrás dos objetivos de lucro estava uma sociedade estratificada de ordens e a discriminação do outro ser humano fazia-se em relação ao camponês e, obviamente, aos escravos. Esta realidade da mentalidade social e dos seus preconceitos é bem conhecida dos historiadores do Antigo Regime.
Referem estes investigadores disruptivos, de forma ingénua, que a falta de contabilização na historiografia portuguesa dos custos monetários do tráfico negreiro é uma “pecha” da historiografia nacional[1].
Advoga a antropóloga Raquel Machaqueiro que a base do colonialismo é a escravatura, quando as colónias africanas, em particular, foram desbravadas só no final do século XIX, pois na época da expansão marítima eram apenas interpostos comerciais, ou seja, meras feitorias, embora com a prática do tráfico negreiro. Mormente no Brasil, a escravatura foi relevante na colonização empreendida pelos portugueses nas plantações e nas minas, nos séculos anteriores ao XIX, através do tráfico negreiro do comércio triangular atlântico.
Sustenta, de forma bastante controversa, a antropóloga Raquel Muchaqueiro que faz sentido a reparação dos prejuízos económicos aos colonizados, porque quem recebeu as indemnizações foram os colonizadores. Mas ao fazer este raciocínio controverso estamos a falar de conjunturas históricas distintas da expansão marítima (referente ao Antigo Regime) e dos regimes liberais que começaram, paulatinamente, a sustentar o abolicionismo esclavagista (referente à Idade Contemporânea).
Falar em reparações coloniais é de bastante mau senso diplomático, porque abre uma caixa de pandora que não terá fim. A História é feita de vitórias e derrotas como nos frisava, lucidamente, o professor Jorge Borges de Macedo.
Os Museus da metrópole devem devolver objetos da expansão marítima aos novos países descolonizados? Raquel Muchaqueiro afirma inequivocamente que sim, mas, na realidade, este processo iria dar origem a múltiplos pedidos de devolução de bens resultantes de tantos saques que o mundo se envolveria numa disputa entre espoliados e espoliadores, como se tratasse de uma investigação e de uma “práxis” política marxista.
Só, nestes últimos anos do primeiro quartel do século XX, começam a aparecer estudos sobre a escravidão nas regiões coloniais portuguesas, exemplo disso é o estudo do historiador Arlindo Manuel Caldeira intitulado O apelo da liberdade – resistência dos africanos à escravidão nas áreas de influência portuguesa[2], com a chancela editorial da Casa das Letras de 2024.
[2] Arlindo Manuel Caldeira, O apelo da liberdade – resistência dos africanos à escravidão nas áreas de influência portuguesa, Alfragide, Casa das Letras, 2024, 428 p.
O ano de 2011 foi um tempo cheio de acontecimentos inesperados que se seguiram uns atrás dos outros, em catadupa. Um dos acontecimentos mais dramáticos e preocupantes foi a crise da Zona Euro com as dívidas soberanas dos países Europeus a preocuparem a Civilização Ocidental e o mundo que entrou em fase de recessão económica. Em Portugal e em outros países europeus os governos mudaram devido a esta crise conjuntural (resultante da crise financeira dos EUA de 2008) e estrutural (resultante do capitalismo financeiro que deu azo ao totalitarismo dos mercados a nível da Globalização – “economia de casino” ou “teologia de mercado”). Em toda a Europa, tomaram-se medidas de austeridade e alguns países foram intervencionados pelas instâncias de supervisão financeira ou por entidades supranacionais.
A cidadania global esteve na ordem do dia com as manifestações cívicas contra a austeridade, com greves a percorrerem toda a Europa, com três mulheres socialmente mobilizadas a receberem o Prémio Nobel da Paz, com o “Manifestante” a ser eleito pela revista Time como a figura do ano, com o movimento anti-sistema designado “Occupy”, com as manifestações dos indignados da “geração à rasca” e as revoltas contra regimes tiranos na designada Primavera Árabe.
Isto significa que houve poucos líderes internacionais com prestígio, a não ser a Chanceler Ângela Merkel por impor à Zona Euro e à União Europeia uma solução de mero remedeio (com rígidas políticas orçamentais) sem uma política estratégica, sendo rotulada pela revista Forbes como a mulher mais poderosa do mundo, tendo inclusivamente o antigo líder da Alemanha reunificada, Helmut Kohl, criticado as intervenções titubeantes da líder alemã. Por uma boa razão, esteve o Dr. Mário Soares que lançou vários livros este ano e deu o alerta nacional para a falta de uma estratégia europeia que fosse respeitadora dos grandes objectivos dos pais fundadores da Comunidade Europeia.
Em Portugal, não obstante a crise da dívida soberana e a necessidade da ajuda internacional da “Troika” para garantir a solvabilidade do Estado Português, também houve acontecimentos maravilhosos sobretudo nos planos desportivo e cultural como tenham sido a vitória do F.C.Porto na Liga Europa sob o comando táctico de André Villas-Boas e o apuramento da Selecção Portuguesa de Futebol para o Campeonato da Europa de 2012. Na cultura destacou-se a distinção do Fado pela Unesco como Património Cultural Imaterial da Humanidade, o Prémio Pritzker de Arquitectura de Eduardo Souto de Moura e a comemoração dos 15 anos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa com vários contributos, designadamente do Movimento Internacional Lusófono.
O mundo, a lusofonia e Portugal ficaram mais pobres com desaparecimento de algumas figuras tutelares como ícones da “inteligenzia” da política, da cultura, das artes e das técnicas como sejam Václav Havel, Vítor Alves, Malangatana, Cesária Évora, Steve Jobs, Elisabeth Taylor e Vitorino Magalhães Godinho. Nos antípodas éticos, morreram alguns líderes da “inteligenzia” do Mal como Osama Bin Laden, Muammar Khadafi e Kim Jong-Il, embora os dois primeiros de formas humanitariamente muito controversas.
Como virámos mais uma página da História da Humanidade, do ponto de vista do calendário ocidental convencional com a entrada no novo ano de 2012, mas não ainda ao nível das mudanças necessárias no nosso mundo, aqui vos deixo esta canção “we are the world, we are the children” do “Live Aid” e uma “marcha clássica” de Johann Strauss dirigida por um maestro ancião, enérgico e divertido. Porque estamos no início de 2012 ficam aqui os votos de um ano novo, para todos nós concidadãos do mundo, que seja moldado pela Esperança para que possamos vencer a resignação e o pessimismo face às crises que se instalaram no nosso planeta, pois só estes apelos cívicos aos sentimentos mais fundos de confiança, de generosidade e de bondade podem colmatar o pessimismo que se tem propagado nas sociedades do século XXI – é, aliás, um dos maiores “vírus sociais” dos nossos dias. Haverá, seguramente, momentos tristes durante o ano, mas como diz o sábio provérbio popular português “tristezas não pagam dívidas” estaremos a salvo…
A crise financeira portuguesa da dívida soberana está nas bocas do mundo, ao ponto de ter atingido o debate eleitoral finlandês. Estas notas de reflexão, não descurando a gravidade da falta de liquidez do Estado e da sociedade portuguesa, pretendem elencar as suas principais causas internas e externas situando-as na presente conjuntura geoestratégica mundial. A União Europeia tem imposto aos países comunitários critérios mais rigorosos de endividamento dos Estados para diminuir os défices orçamentais através dos Planos de Estabilidade e Crescimento (PECs).
Convém perceber, sem escamotear a realidade, as causas estruturais que potenciaram a crise financeira da dívida soberana portuguesa. A Contemporaneidade está infestada do imediatismo mediático que faz perder aos cidadãos a necessidade de uma consciência que extravase os tempos curtos do presente. Daí que seja importante uma leitura que se alavanque na Memória Colectiva para tentar compreender as raízes profundas desta situação de crise nacional e internacional.
Desde os anos 90 do século XX, tal como em décadas anteriores em outros países desenvolvidos, as classes médias habituaram-se a consumir, de forma fácil, com recurso ao crédito bancário que arrastou muitos cidadãos a endividarem-se por várias décadas para adquirirem bens essenciais ou supérfluos. Ao mesmo tempo, o Estado tem-se tornado crescentemente mais complexo, com mais responsabilidades sociais que o fez adoptar o critério de privatizações de propriedades e de empresas públicas para se conseguir financiar para além das receitas fiscais.
O problema inerente a esta nefasta tendência tem sido a diminuição da Poupança Pública e das famílias num tempo de crescentes gastos. Por esta razão, tem todo o sentido a filosofia de austeridade que deve presidir às Políticas Públicas, aliás o execrável Ditador das Finanças, no final dos anos 20 e início dos anos 30, adoptou com sucesso este critério que lhe permitiu ascender politicamente. Longe de fazer qualquer panegírico a António Oliveira Salazar, devemos, no entanto, reconhecer-lhe este mérito de ter sabido pôr em ordem as finanças públicas. Os indivíduos, das classes médias, seduzidos pelos apelos do mercado acabaram por perder o hábito de amealhar poupanças, porque os produtos importados que inundaram o país e rechearam o Centros Comerciais e os Mega Centros Comerciais criaram necessidades de consumo irracionais.
Na actualidade o modelo materialista, de base monetário, inspirado na excessivamente pragmática Civilização Romana tem feito depreciar o valor dos Bens Imateriais e das Ciências Humanas em favor dos Bens Materiais e da pretensa cientificidade, quase positivista, dada à Econometria. Aliás, o fervor materialista/imperialista dos Romanos conduziu-os à decadência Ética, que é um traço de grande semelhança com as sociedades Globalizadas do nosso tempo
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O actual endividamento do Estado Português decorre do sistema financeiro internacional sem peias, em que a especulação e as fraudes bancárias por via do Capitalismo pouco regulado devido aos paraísos fiscais é uma constante (veja-se, a este propósito, a interessante caricatura publicada por Joana Amaral Dias no Cortex Frontal), que tem potenciado as crescentes desigualdades entre Estados, sociedades e grupos económicos e sociais.
Sem dúvida que a fraca competitividade da economia portuguesa ( veja-se o interessante artigo de Ricardo Pais Mamede, "Preocupados com o crescimento português ?" em Ladrões de Bicicletas ) que não se tem conseguido adaptar aos critérios da desbragada agressividade social da Globalização imposta pelos grandes potentados económicos foi um factor que potenciou o endividamento do Estado e da sociedade portuguesa.
Como causas mais imediatas da crise da dívida soberana portuguesa está a crise financeira de 2008 que se iniciou nos EUA e que contagiou os seus principais parceiros comerciais, designadamente a Europa. Esta crise financeira fez perceber aos países ocidentais que estavam a viver acima das suas possibilidades, porque muito do dinheiro emprestado resultava de complexos esquemas contabilísticos que não tinham uma sustentação real. Como dizia com acerto Ernâni Lopes as finanças ficaram desfasadas da economia real.
Em 2010 estalou a crise financeira Grega devido aos endividamentos excessivos do Estado e da sociedade deste país, devido ao critério mais rigoroso de controlo dos défices públicos na União Europeia resultantes da meta dos 3% de endividamento estabelecido na Filosofia dos Programas Europeus de Estabilidade e Crescimento e à depreciação do Euro devido à forte competitividade das novas potências internacionais emergentes.
As crises históricas nacionais das finanças públicas têm-se repetido desde o fim do século XIX e início do século XX ( É interessante consultar a visão ampla, histórica e internacional, de Francisco Seixas da Costa que se destaca no artigo "Embaixador diminuído ?" no blogue duas ou três coisas). No último quartel do século XIX, Portugal pediu empréstimos para se equipar em termos de construção de infra-estruturas viárias e ferroviárias que garantissem ao país a constituição de um espaço económico nacional. Efectivamente, de 1891 a 1902 instalou-se uma grave crise financeira no país devido à dificuldade de pagar aos credores externos, numa situação em que Portugal se encontrava em plena bancarrota.
Em meados dos anos 20 a crise financeira Angolana devido aos gastos excessivos na construção de infra-estruturas de comunicação e transporte nas grandes colónias africanas portuguesas colocaram o país à beira do colapso financeiro nos anos finais da 1ª República (1924-1926). Não nos esqueçamos que anteriormente o envolvimento de Portugal (1916-1918) na 1ª Guerra Mundial tinha deixado as finanças públicas na penúria.
Em 1977 e em 1983 Portugal pediu auxílio ao Fundo Monetário Internacional devido, nesse primeiro momento, às ondas alterosas do choque petrolífero e à instabilidade política pós-revolucionária e, nesse segundo momento, devido à inflação galopante que levou à necessidade da formação de um Bloco Central (PS-PSD) liderado por um político Humanista.
A conjuntura geoestratégica mundial actual caracteriza-se por um endeusamento do mercado (a que vários autores chamam com propriedade teologia de mercado – Adriano Moreira) que conduziu à construção de um capitalismo financeiro desregulado por acção dos grandes interesses das Empresas Multinacionais que empurraram os governos bajuladores a adoptarem políticas neoliberais desde os meados dos anos 80 inspirados nos modelos políticos de Ronald Reagan e de MargaretThatcher.
Na actual conjuntura internacional, a Revolução tecnológica tem permitido uma vantajosa Globalização da informação, mas também desencadeou concomitantemente a produção de bens tecnológicos evanescentes que incitaram a um consumismo desregrado que está na origem do endividamento das famílias, tal como nos salienta com muita acuidade o Mestre Vitorino Magalhães Godinho.
Como já há vários anos nos vem lembrando, o Dr. Mário Soares, os Estados encontram-se dependentes das pressões das Grandes Multinacionais e, por isso, o poder político está enfraquecido de poder agir de acordo com ideais de justiça social, uma vez que o pragmatismo da “real politik” se tornou dominante. A verdade é que, sem esta independência do poder político, as causas justas mobilizadoras dos cidadãos não se agregam em torno dos partidos políticos e os cidadãos sentem-se cada vez menos identificados com os políticos por toda a Europa, daí as grandes manifestações de descontentamento popular (vale a pena ler e ouvir o post de Ana Paula Fitas "Da "Menina estás à janela" ao FMI - A Resistência da Esperança" e ainda o pertinente texto "Contra a Especulação, Assinar a Petição" no blogue A Nossa Candeia).
As novas potências emergentes (China, Índia, Brasil, etc.) têm alargado o grupo dos países mais ricos do mundo (G7, que passou a G8, que passou a G20) e a Europa tem perdido peso económico nesta transformação geopolítica. O projecto Europeu e a constituição da União Europeia, com uma moeda única, foram tentativas de resposta a estas ameaças externas, no entanto o drama demográfico dos países europeus e as condições, muitas vezes inumanas, de trabalho nas novas potências emergentes, em particular na China e na Índia, impedem uma competitividade salutar, porque se colocam em causa Direitos Humanos Fundamentais e conquistas Civilizacionais que dignificam o Homem como Pessoa. Sem este entendimento do Homem como Pessoa, e não como número de um quadro estatístico ou econométrico, a Humanidade entrará numa regressão sem precedentes na História Universal.
Em suma, a Europa tem que saber partilhar com o mundo o seu paradigma Humanista, que extravasa os limites das democracias tecnocráticas, para que se possa crer na bondade dos valores do Espírito Humanista e dos Direitos Humanos no sentido de se rumar a um mundo melhor que se preocupe com os níveis de qualidade de vida dos seus cidadãos. Daí que a mentalidade Humanista precise de ser valorizada e adoptada como critério de gestão na escolha de líderes políticos e empresariais na Europa para que se garanta a possibilidade de se concretizar uma autêntica justiça social.
Tony Judt (1948-2010) foi um reputado historiador, escritor e professor universitário britânico que leccionou na Grã-Bretanha e nos EUA. Foi galardoado com vários Prémios nos últimos anos: finalista do Prémio Pulitzer em 2006, vencedor dos Prémios (Hannah Arendt em 2007, Livro Europeu em 2008 e Menção Honorária George Orwell em 2009). O seu livro mais emblemático intitula-se Pós-Guerra – Uma História da Europa desde 1945, que já se tornou um clássico da historiografia europeia. Veio a falecer em Agosto de 2010 com uma esclerose lateral amiotrófica. Tornou-se um pensador das implicações da actual Globalização e um crítico contundente das posições de Israel e da política belicista dos EUA levada a cabo por G. W. Bush. Em 1996 criou na Universidade de Nova York um centro de estudos europeus designado “Remarque Institute”.
Este pequeno, mas substantivo, livro[1] procura responder a quatro grandes questões que se revelam de enorme actualidade:
Que factores históricos levaram à crise do Estado-Providência dos países Ocidentais nos últimos 35 anos (1975-2010)?
Que lição histórica nos legou a mega Crise do capitalismo industrial de 1929?
Por que razão as sociedades actuais dos países ocidentais se sentem descontentes?
Como podem os países Ocidentais enfrentar os crescentes problemas socioeconómicos que os afectam?
Esta pertinente reflexão política, de base histórica, tem como objectivos centrais despertar a consciência crítica e cívica dos nossos prezados concidadãos ocidentais, que vivem numa gritante indiferença ideológica, por se terem deixado iludir pelas virtualidades do mercado livre (teologia de mercado[2]) que conduziu à redução dos mecanismos de intervenção do Estado.
Efectivamente, após 30 anos milagrosos, de prosperidade económica e de garantias de segurança, dados pelos Estados-Providência aos cidadãos ocidentais (1945-1975) a Europa e os EUA iniciaram uma inversão ideológica que desembocou numa crise múltipla, já no período de transição do século XX para o XXI, geradora de um mal-estar colectivo destas sociedades. Este transviado caminho começou com a liberalização económica extrema iniciada por Margaret Thatcher e Ronald Reagan, influenciados por ideólogos famosos como Friedrich Hayek, Ludwig von Mises e Milton Friedman, por escolas de gestão que proliferaram, que implementaram políticas neoliberais, conducentes à desregulamentação da economia e das finanças internacionais, com o pressuposto de que o individualismo geraria concorrência saudável e eficiência em muitos serviços prestados ao público.
Esta opção ideológica permitiu a onda de privatizações que varreu grande parte da Europa. Esta fase histórica foi impulsionada pela queda do muro de Berlim (1989) e dos regimes comunistas no leste do “velho continente” que deu a sensação a alguns, que subscreveram a tese de Francis Fukuyama[3], que o rumo político da História era uno para toda a Humanidade (“fim da História”). Contudo, com a implosão do capitalismo financeiro, em 2008, a opinião pública mundial percebeu a falta de esteios Éticos por parte dos Estados que deviam ter sido mais interventivos e vigilantes. Depois dos “calafrios” do cataclismo do sistema financeiro norte-americano, Henry Paulson, Secretário de Estado do Tesouro de G. W. Bush pediu autorização Estatal para injecções de capitais no periclitante sistema financeiro. Este ponto de chegada (a crise financeira de 2008) resultou da irresponsabilidade política dos dirigentes ocidentais na transição do século XIX para o XX.
Esta actual situação pantanosa das finanças internacionais, resultante da liberdade absoluta que foi dada aos especuladores e investidores privados, procedeu dos mitos impostos pelos defensores do Neoliberalismo, designadamente dos princípios seguintes encarados como dogmas: o culto das privatizações e do sector privado como favorável à eficiência e à qualidade dos serviços; a ilusão de que mercado livre iria permitir o crescimento ilimitado das economias; a virtude da desregulamentação do sector financeiro e de um Estado reduzido à dimensão mínima. Este credo Neoliberal foi mais absorvido pelos EUA, que acabaram por sofrer terrivelmente com a implosão do sistema financeiro, uma vez que estava minado por especuladores sem escrúpulos.
Esta crise actual, que se expandiu globalmente a outras regiões e a outros sectores, traduz a degradação Ética que colheu a sua seiva no sistema da competição selvagem que se instalou com os Governos de matriz neoliberal. Por exemplo, a Irlanda, que seguiu de perto os modelos britânico e norte-americano, foi considerada durante muitos anos como um modelo a imitar por várias nações que se queriam alçar nos “rankings” de crescimento económico, viu o seu sistema financeiro entrar em ruptura.
O economicismo como estratégia política tem degradado a Civilização Ocidental, que naufraga à vista de todos os honrados cidadãos, porque na visão de Tony Judt tem faltado aos Governantes um pensamento político de fundo e as opiniões públicas não despertaram ainda para esta situação de calamidade social com taxas de desemprego exorbitantes, em vários países, e com uma visível degradação do nível de vida das classes médias. Não obstante, esta apatia, das opiniões públicas, tem havido vários alertas de sumidades para a desconfiança que se deve manter perante o sistema financeiro, e os seus agentes, pois as verdades proclamadas contaminaram a credibilidade do capitalismo sem peias que foi fustigado por mentes conscienciosas de diferentes convicções ideológicas (Papa Bento XVI[4], Dr. Mário Soares[5], Professor e Pensador Vitorino Magalhães Godinho[6], o Historiador e Pensador Tony Judt, etc).
Como soluções de emergência, para obstaculizar as bancarrotas nacionais, os Estados, anteriormente tão odiados, foram em socorro dos bancos e das empresas injectando dinheiro dos contribuintes nesses sorvedouros resultantes da imoderada especulação e do lucro fácil que atraiu incautos cidadãos. Neste contexto, generalizado, de insucesso das políticas neoliberais as teses Keynesianas (economista John Maynard Keynes[7]) foram reabilitadas, porque importava fortalecer os Estados e tornar os Governos mais intervencionistas nas economias.
Tony Judt, com a acutilância da sua argumentação histórica, denuncia neste excelente ensaio que as rupturas do Estado-Providência e dos Sistemas de Segurança Social não se devem só ao factor da quebra demográfica Europeia, como os políticos e muitos comentadores gostam de sublinhar, mas fundamentalmente ao desmantelamento do Estado e dos seus Bens Patrimoniais por via das opções neoliberais. Com efeito, na sua percepção, a social-democracia esboroou-se dos cenários políticos das últimas décadas com o fenómeno das privatizações que fragilizou os Estados, com o processo da internacionalização das economias nacionais (vulgo Globalização económica) que facilitou a fuga de capitais aos mecanismos de tributação, por via dos paraísos fiscais, e com a crise demográfica procedente do envelhecimento da população Europeia.
Na sua vasta lucidez, o autor não evita a questão da falta de sustentabilidade económica dos Estados-Providência, mas afirma que tal possibilidade implica uma tributação elevada, geral ou selectiva, dos contribuintes e uma redefinição dos Serviços Básicos do Estado Social. Apenas evita falar em socialismo democrático por uma razão de convicção ideológica. Por outro lado, apresenta as emergentes potências mundiais (China e Índia) como países em contra ciclo económico, pelos níveis acelerados de crescimento dos últimos anos, que apenas proporcionam riqueza a uma minoria das suas sociedades.
Importa reter, também, algumas lições da História Contemporânea que Tony Judt como um reputado historiador nos deixa. Na realidade, os 30 anos do pós-guerra de 1945 a 1975 permitiram aos países mais desenvolvidos do Ocidente erguer Estados-Providência, ou no mínimo edificar um Estado Social de protecção dos cidadãos mais desfavorecidos, que contribuíram para diminuir as desigualdades sociais internas em várias nações Europeias devido às orientações social-democratas. Esta consciência construtiva dos Estadistas Europeus do pós-guerra adveio da recordação histórica, gravada na memória colectiva, da Grande Depressão de 1929 e das suas nefastas consequências sociais, políticas e militares (desemprego gritante, ascensão das ditaduras de extrema direita e eclosão da Segunda Guerra Mundial), tendo levado os Governos do Ocidente ao Planeamento, à Regulação e à Intervenção em todos os aspectos da vida da sociedade e da economia, embora com um sacralizado respeito pelos Direitos e Liberdades dos cidadãos.
De facto, a seguir à Segunda Guerra Mundial houve um consenso político-ideológico que congregou economistas, políticos, analistas e cidadãos em torno da necessidade de aceitar tributações elevadas para suprir as exigências das Despesas Públicas com os Serviços Sociais, o que se ficou a dever às lições da absurda beligerância das nações Europeias. No entanto, o predomínio da tendência individualista e as iniciativas políticas da “Dama de Ferro” e do “Cowboy”[8], dos filmes Western, vieram a mudar o paradigma e a mentalidade política prevalecente nos anos 80, 90 e nesta primeira década do século XXI com os ruinosos resultados que hoje são visíveis.
A solução para o futuro, na visão deste esclarecido e prudente historiador, está na reinvenção de um novo paradigma, sem dogmas, que implique o reencontro com os princípios da social-democracia e do socialismo democrático para que a Civilização Ocidental possa caminhar para a superação dos dilemas que agora a afligem. Acredita, pois, no papel do Estado e do sector público para a viabilização do Bem Comum e de uma Sociedade mais justa. Tony Judt lembra-nos que é nos países que adoptaram a social-democracia como paradigma político (a Suécia, a Finlândia, a Noruega, a Dinamarca, a Holanda, etc) que se manifesta uma maior justiça social, um maior bem-estar dos cidadãos com uma riqueza mais bem distribuída constituindo a argamassa que salvaguarda a coesão das próprias sociedades. Sem este indispensável investimento estratégico na revitalização, exequível, dos Estados-Providência continuaremos a viver na conjuntura internacional de uma Globalização, egoísta, que tem conduzido às crescentes desigualdades sociais internas e ao flagelo do desemprego em larga escala.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Tony Judt, Um tratado sobre os nossos actuais descontentamentos, Lisboa, Edições 70, 2010.
[2] Adriano Moreira, “A perspectiva da Globalização do passivo”, in Estudos da Conjuntura Internacional, Lisboa, 2000, p. 296.
[3] Francis Fukuyama, O Fim da História e o Último Homem, Lisboa, Edições Gradiva, 1992.
[4] Bento XVI, A Caridade na Verdade – Encíclica, Prior Velho, Edições Paulinas, 2009.
[5] Mário Soares, Elogio da Política, Lisboa, Sextante Editora, 2009.
[6] Vitorino Magalhães Godinho, Os Problemas de Portugal – Os Problemas da Europa, Lisboa, Edições Colibri, 2010.
[7] John Maynard Keynes, Teoria geral do Emprego, do Juro e da Moeda, Lisboa, Relógio de Água, 2010.
[8] Margaret Thatcher ficou assim conhecida nos meios de comunicação social dos anos 80 e 90 e Ronald Reagan já era conhecido, antes de exercer a Presidência dos EUA, como um actor de filmes de cowboys.
A Greve é um acto de suspensão do trabalho com o objectivo dos trabalhadores reivindicarem exigências profissionais de melhoria das suas condições remuneratórias ou de prestação dos seus trabalhos em contexto de maior dignidade ou, eventualmente, um protesto perante a perda de benefícios. A Greve está ligada à liberdade sindical e é um Direito fundamental dos trabalhadores consagrado na Constituição Portuguesa de 1976, que repôs os Direitos de Organização Sindical, e importa trazer à memória colectiva que a Ditadura Militar e o Estado Novo proibiram as Greves, com Legislação específica, nos anos de 1927, 1934 e 1958.
Historicamente, o Direito à Greve aparece em Portugal na segunda metade do século XIX, com as Leis de 1864 e de 1891 que permitiram uma maior agitação social no fim do século XIX e no início do século XX. Os socialistas José Fontana, Antero de Quental e Azedo Gneco foram grandes propulsores dos Direitos dos Trabalhadores e desta peculiar forma de luta.
Com efeito, teve particular importância a Greve Académica de 1907 que permitiu ao rei D. Carlos transformar o governo Constitucional de João Franco em governo Ditatorial, o que potenciou o crescente descontentamento da população portuguesa com o regime Monárquico que o levou a resvalar no abismo auto sacrificial. Com a instauração do regime Republicano, a Greve foi consagrada como um Direito, logo em 1910, e no período da I República o país assistiu incrédulo a um turbilhão grevista com mais de meio milhar de Greves em cerca de 16 anos (1910-1926).
A Greve assume-se como a forma mais expressiva da luta sindical. Contudo, as Greves devem partir da consciência crítica e reflexiva dos trabalhadores que devem usar desse expediente de protesto com parcimónia, porque estas devem configurar nas suas motivações reivindicações de ordem profissional e não, unicamente, constituir arremedos de propaganda político-partidária, mas, nos dias de hoje, importa também ter uma linha de pensamento que corresponda a uma cidadania Global que tenha por referência os quadros conjunturais e estruturais em que nos movemos.
Esta Greve Geral é uma acção de âmbito nacional, abrangendo múltiplos sectores de actividade, subscrita pelas duas Centrais Sindicais Portuguesas, a CGPT-IN e a UGT, que apresentaram um pré-aviso de Greve com a devida antecedência.
A França tem estado historicamente na vanguarda dos movimentos da cidadania contemporânea ao afirmar-se, ao longo do tempo, como uma nação decisiva para as mudanças da mentalidade e das estruturas sociais. Basta recordar os protestos populares da Revolução Francesa, iniciada em 1789, as contestações em Paris no mês de Maio de 1968 e a dinâmica das Manifestações, neste mesmo país, em 2010, contra o aumento da idade da Reforma e as medidas de austeridade, promovidas no contexto da crise económica, decorrentes do ambiente de declínio demográfico Europeu, da anunciada falência do Estado-Providência e dos Programas de Estabilidade e Crescimento apresentados pelas instâncias comunitárias da UE como soluções para acudir a estes problemas do Velho Continente.
Esta estratégia delineada, pelos líderes Europeus, de encurtamento da abrangência das Políticas Sociais tornará a vida, das classes médias e das camadas populares, mais difícil com o congelamento das carreiras do sector público, a redução de salários, o aumento dos impostos e a precarização dos trabalhos e o crescimento exponencial do contingente de desempregados resultantes da formação de oligopólios.
Estes problemas portugueses e europeus estão, suficientemente, diagnosticados[1], contudo cumpre conceber um novo paradigma Civilizacional[2], de base Humanista, que permita superar os inúmeros paradoxos que tolhem as sociedades europeias no contexto da Globalização desregrada e dum sistema financeiro, motivado pelos mecanismos especulativos, separado das actividades produtivas da economia real. Como nos diz o pensamento, bem clarividente, de Vitorino Magalhães Godinho temos de ultrapassar a economia de consumo de produtos, cada vez mais evanescentes, para que as famílias e os Estados não se endividem mais e para que haja capacidade de poupança individual e colectiva. No entanto, convém mudar de paradigma, no sentido de libertar a economia, os Estados e os cidadãos do controlo dos oligopólios e deste sistema financeiro pouco atreito aos juízos Éticos.
Em suma, todos os funcionários públicos terão uma redução do salário real no próximo ano, mais ou menos significativa, na pátria de Guerra Junqueiro. Com base neste pressuposto, esta Greve Geral de 24 de Novembro de 2010 representa um gesto inequívoco de indignação democrática contra esta estratégia que não resolve os problemas de fundo, de Portugal e da Europa, que Vitorino Magalhães Godinho tão bem nos escalpeliza nesse lúcido ensaio já citado.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1]A nova Primavera do político, org. Michel Wieviorka, Lisboa, Editora Guerra e Paz/Fundação Calouste Gulbenkian, 2007 e Bento XVI, Caridade na Verdade – carta encíclica, Lisboa, Edições Paulinas, 2009.
[2] Mário Soares, Elogio da política, Lisboa, Sextante Editora, 2009 e Vitorino Magalhães Godinho, Os problemas de Portugal – Os problemas da Europa, Lisboa, Edições Colibri, 2010.
Cena simbólica do filme Tempos Modernos (1936) de Charlie Chaplin
Este texto vem na sequência do pertinente “post” da Professora Ana Paula Fitas intitulado “Qualificações, Desenvolvimento e Produtividade”, inserido no seu blogue «A Nossa Candeia»[1]. Creio que a função das minhas observações, na esteira das suas palavras, é o de criar um ambiente de sensibilização cívica para a complexa problemática que emerge do contexto em que vivemos, para que colectivamente o possamos tentar resolver.
Estou, inteiramente, de acordo, com a afirmação desta autora, de que é necessário desenvolver o aparelho produtivo nacional, em particular os sectores primário e secundário que têm sido muito menosprezados. Os problemas básicos que afectam a nossa economia nacional radicam, sem sombra de dúvida, no drama do desemprego e no endividamento público[2] que, aliás, não é uma novidade na História de Portugal dado que o atraso económico e técnico sempre foi uma das suas linhas de força, como já o frisavam alguns estrangeirados do século XVIII[3].
Subscrevo a ideia da existência de uma hipertrofia do sector terciário no nosso país. Na verdade, concordo, em absoluto, que o cerne da questão é a qualidade de vida das pessoas e a falta de um pensamento estratégico, a médio e a longo prazo, pelo facto da política estar condicionada pela “nova economia tecnológica” que impele ao imediatismo do consumo de produtos cada vez mais efémeros[4].
O contexto internacional é extremamente complexo e imensamente desafiante e, por esta razão, torna-se difícil definir um modelo de desenvolvimento sustentável nacional e europeu, porque as coordenadas financeiras se afiguram muito incertas devido a vários factores desta conjuntura da Globalização. De facto, como dizia, no outro dia na televisão, o reconhecido especialista Ernâni Lopes as actividades económicas mundiais estão desfasadas das finanças e, nesta conjuntura, a Globalização tende a ser pouco regulada e a consciência Ética dos cidadãos encontra-se fortemente ameaçada. Urge, como nos dizem, as palavras avisadas de Vitorino Magalhães Godinho e de Mário Soares mudar de paradigma Civilizacional[5], que tome em linha de conta os legados do Humanismo Europeu. Caso contrário, os impasses existenciais de um país e de um Continente permanecerão neste nó górdio. Verifiquemos, pois, alguns desses impasses…
Há, com efeito, uma série de questões que dentro deste panorama devem ser seriamente equacionadas: até que ponto a obsessão com a produtividade se constitui como um mecanismo legítimo para melhorar a qualidade de vida das pessoas? Por outras palavras, até que ponto não estamos enredados numa lógica obsessiva e economicista que faz perder às pessoas o sentido dos projectos humanistas que lhes garanta o bem-estar e a felicidade? Recordo-me sempre do filme bem actual, de que já aqui reproduzi um pequeno excerto, de Charles Chaplin intitulado “Tempos Modernos” datado de 1936. Não é urgente um paradigma humanista que faça articular a política com uma visão de médio e de longo prazo? Não se está a pensar só nos dados de curto prazo (nas estatísticas do dia, do mês, do trimestre, etc.) por culpa dos imediatismos frenéticos e das vendas de produtos tecnológicos de consumo volátil?
Faço votos para que este imprescindível debate público se faça de espírito aberto e descomplexado! Torna-se absolutamente impreterível esta reflexão tanto mais que pergunta, com grande pertinência, o Professor José Medeiros Ferreira no blogue «Córtex Frontal» se o clima de crispação social na Europa, que parece irá emergir nos próximos dias, não será um aviso das populações à filosofia tecnocrática do Ecofin.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Estas palavras pretenderam ser um mero comentário, mas por sugestão da Professora Ana Paula Fitas transformaram-se nestas breves considerações que vos apresento.
[2] No século XIX com as tímidas tentativas de modernização do país através dos projectos Fontistas de construção de infra-estruturas, de comunicação e transporte, começou um gritante endividamento do país.
[3] Por exemplo, o estrangeirado Cavaleiro de Oliveira, talentoso escritor português do século XVIII, dizia que Portugal era "um relógio atrasado no tempo pela incúria dos que o governam".
[4] Vide Vitorino Magalhães Godinho, “Revolução técnica e nova economia. A sociedade às avessas”, in Os problemas de Portugal – os problemas da Europa, Lisboa, Edições Colibri, 2010, pp. 118-130.
[5] Mário Soares,”Globalização, terrorismo e a grande crise”, in Elogio da Política, Lisboa, Sextante Editora, 2010, pp. 135-152.
Num debate aberto, sobre a figura histórico-religiosa de São Paulo, o Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa[1] lançou um desafio aos quadrantes ideológicos de “Esquerda”, da sociedade portuguesa, de reflectirem sobre a possibilidade de se compaginar, sem complexos e sem preconceitos, uma visão política de “Esquerda” com uma crença cristã, neste início do século XXI. Aceitei este repto, a partir das questões que lhe coloquei, como forma de pensar, e de colocar em dúvida, algumas ideias peregrinas da “Esquerda” portuguesa.
Na realidade, a História ensina-nos que desde o século XIX, no contexto de crescimento das sociedades industriais, se manifestaram correntes do Socialismo Cristão. Claude-Henri Saint-Simon (1760-1825) foi um dos percursores desta simbiose doutrinária, dado que se afirmou como um dos mentores do socialismo utópico ao conceber uma sociedade ideal, baseada em princípios justos de base cristã, por oposição à existente sociedade proto-industrial. Com efeito, mediante o desenvolvimento da industrialização, nas maiores potências mundiais, a Igreja Católica passou a percepcionar a problemática das novas questões sociais.
É nesta conjuntura, económico-social, que o Catolicismo explicita as preocupações sociais que a religião Cristã deve assumir. Em particular, a partir da genésica Encíclica “Rerum Novarum” (1891), do Papa Leão XIII[2], passou a existir uma apurada sensibilidade social que suscitou a, posterior, formação de um corpo de princípios, intitulado Doutrina Social da Igreja, que tanto influenciou as ideologias políticas de Direita no século XX, em especial dos Partidos Democratas Cristãos Europeus.
Em Portugal, na segunda metade do século XX, o Socialismo Cristão marcou presença, não obstante no início deste novo século exista uma subvalorização desta corrente de pensamento político. Na verdade, do movimento leigo da “Acção Católica” saíram alguns líderes do MDP/CDE e da Juventude Operária Católica que se afirmaram como representantes desta tendência doutrinária. Por seu turno, no mundo, na década de 1970, começou a destacar-se a teologia de libertação, que configura algum paralelismo ideológico com o Socialismo Cristão. Esta similitude advém desta interpretação do Cristianismo comportar uma preocupação política e religiosa a favor dos excluídos, dos marginalizados e dos desfavorecidos da sociedade. Em particular, esta teologia da libertação, tendo-se desenvolvido em alguns países carenciados da América Latina[3], enfatizou a premente necessidade de se combaterem as diversas “bolsas de pobreza” dos países, e do mundo, de forma a criar sociedades mais justas através dos movimentos de libertação política dos povos economicamente oprimidos.
Como constrangimento mental à expansão da doutrina Socialista-Cristã, em Portugal, há que mencionar a posição conservadora da Igreja Católica. Com efeito, esta instituição e a sociedade portuguesa, contaminadas por uma mentalidade muito tradicionalista, têm resistido a esta doutrina devido aos preconceitos contra o materialismo marxista. Se é certo que, segundo afirmava Karl Marx, “a religião é o ópio do povo” (cito de cor) também, não é menos certo que existe uma diferença abissal entre socialismo democrático, de matriz cristã, e o comunismo na sua expressão totalitária.
A doutrina Eco-Socialista Cristã, que sustento, tem uma perspectiva crítica do panorama social contemporâneo, ao nível dos defeitos do sistema económico vigente e das perniciosas implicações ambientais que este tem acarretado[4]. Na verdade, os valores partilhados por esta doutrina (a generosidade, a solidariedade, a justiça, a liberdade, a sensibilidade pela preservação ecológica, a bondade, etc.) têm-na feito subscrever uma crítica ao capitalismo desregrado[5] que favorece as formas de corrupção e de desigualdade em termos internacionais. Assim, este ponto de vista doutrinário tem denunciado, sugerindo alternativas ético-práticas, a crise ecológica que se tem instalado, no nosso mundo, como perversa consequência do desenfreado capitalismo que o sistema neoliberal tem alimentado[6].
Portanto, na acepção do Eco-Socialismo Cristão só através da restauração do poder dos Estados nacionais e dos supra-Estados internacionais se poderá pôr cobro à impunidade ética a que “a economia de casino” (na feliz expressão usada pelo Dr. Mário Soares) nos tem conduzido.
Em que consiste a doutrina do Eco-Socialismo Cristão? Os ideólogos do Eco-Socialismo têm defendido a necessidade de procurar uma perfeita simbiose entre o Homem e a Natureza, inexistente na actualidade, de forma a garantir a futura sustentabilidade do planeta. Na verdade, as florestas estão a ser devastadas, os oceanos, os rios e o ar estão a ser poluídos, os recursos naturais estão a ser esgotados e o crescimento demográfico global tem sido exorbitante. Nesta medida, há necessidade, como nos diz o Dr. Mário Soares[7], de criar um novo paradigma Civilizacional que seja capaz de reconciliar o Homem e a Natureza e, também, o Homem e a Ética.
Na minha opinião, a solução para superar este impasse Civilizacional passa por aceitar um novo paradigma moldado na doutrina do Eco-Socialismo Cristão, porque a síntese entre o Eco-Socialismo e os valores do Cristianismo permitem conjugar o imprescindível pragmatismo ecológico com um espiritualismo Ético de base teísta[8]. Só, deste modo, a Humanidade poderá virar a página, da sua História, rumo a mundo melhor…
Este caminho doutrinário, em Portugal, está longe de ser trilhado, pelas razões a que atrás aludimos. Todavia, existem exemplos actuais que podem e devem ser encorajadores para os Socialistas Cristãos.
Em primeiro lugar, menciono o caso da conversão católica de Tony Blair. Na realidade, este líder do Partido Trabalhista britânico, após o seu problemático e angustiante desempenho como primeiro-ministro, secundando as decisões belicistas e unilaterais de G.W. Bush, converteu-se posteriormente ao Catolicismo e passou a sustentar em conferências na Yale University a indispensabilidade de interligar a Fé e a Globalização[9], porque compreendeu a profundidade da crise Global (geográfica e multisectorial) em que o mundo se deixou enredar. Em segundo lugar, refiro o exemplo da realidade partidária brasileira em que esta corrente tem efectiva expressão. No Brasil, hoje uma potência mundial em ascensão, existem dois partidos políticos que partilham esta doutrina, que são respectivamente o Partido Social Democrata Cristão e Partido Social Cristão.
Em suma, é pertinente o debate público desta doutrina do Eco-Socialismo Cristão na sociedade portuguesa e no nosso mundo neoliberal, visto que se impõe um renascimento da Ética para que se possam estancar os fenómenos contemporâneos do egoísmo, do individualismo, da corrupção e da profanação ecológica a que esta Globalização desregrada[10] tem votado o nosso planeta. Esta é, pois, uma razão de peso, se outras não houvesse, para que todos os socialistas[11] possam discutir e aprofundar a problemática da interacção entre esta doutrina do Eco-Socialismo Cristão e os dilemas existenciais com que a Humanidade está confrontada!
[1] Como já o referi em anterior crónica, o Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa proferiu uma conferência no auditório da Casa da Cultura da Ericeira, no âmbito das Comemorações dos 2000 anos do nascimento de São Paulo, em Junho de 2009, que suscitou um debate em que tive o grato privilégio de participar.
[3] Leonardo Boff, Jesus Cristo Libertador, Petrópolis, Ed. Vozes, 1976.
[4] Vide Vitorino Magalhães Godinho, Os problemas de Portugal – os problemas da Europa, Lisboa, Edições Colibri, 2010, pp. 141-151.
[5] É interessante notar a convergência do Papa Bento XVI e do Dr. Mário Soares ao nível deste diagnóstico comum do panorama social internacional.
[6] “Crise sistémica”, in Mário Soares, Um mundo em mudança, Lisboa, Edições Temas e Debates Círculo de Leitores, 2009, pp. 85-90.
[7] “Globalização, terrorismo e grande crise”, in Mário Soares, Elogio da Política, Lisboa, Sextante Editora, 2009, pp. 135-152.
[8] Sei que nem todos os pensadores concordarão com esta indispensável interpenetração entre o legado da consciência Eco-Socialista e o legado espiritual do Cristianismo pelo peso das suas formações laicas. É exemplo, desta postura de socialismo laico, a lúcida visão expressa no livro do muito prezado intelectual Vitorino Magalhães Godinho, Os problemas de Portugal – os problemas da Europa, Lisboa, Edições Colibri, 2010, p. 70.
[9] Com este propósito e o de proporcionar um diálogo profícuo entre religiões, neste mundo Global, criou a Tony Blair Faith Foundation ( http://tonyblairfaithfoundation.org ).
[10] Tal como o tem sustentado o Dr. Manuel Alegre desde o fim do século XX, em textos que publicou no semanário Expresso.
[11] Vitorino Magalhães Godinho num ensaio de excelente recorte intelectual, a que nos tem habituado, argumenta com muita sagacidade que a liberdade de consciência impõe a libertação da Ética religiosa, e da Ética Católica no caso dos países latinos, no entanto dada a forte iliteracia actual da sociedade portuguesa este pressuposto afigura-se-me contraproducente. Na realidade, esta premissa de uma democracia laica, que o autor defende, parece ser uma crítica à visão intelectual do Papa Bento XVI na encíclica “Caridade na Verdade” publicada em meados de 2009 e esta resposta ensaística aparece, no prelo, precisamente em Outubro desse ano (Vitorino Magalhães Godinho, Os problemas de Portugal – os problemas da Europa, Lisboa, Edições Colibri, 2010, pp. 112-113).